Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
14 de Junho de 2016 às 20:30

Um teste britânico à razão

Se os eleitores britânicos decidirem deixar a União Europeia, irão indicar que os argumentos económicos racionais têm menos peso do que os apelos emocionais.

  • ...

Se os eleitores do Reino Unido decidirem sair da União Europeia no referendo de 23 de Junho não será por razões económicas. Podem optar pelo Brexit porque querem soberania plena, porque odeiam Bruxelas, ou porque querem que os migrantes voltem para casa, mas não porque esperam grandes benefícios económicos.

 

Inicialmente, o campo pró-Brexit parecia ter dois argumentos económicos muito fortes. O primeiro foi a esmagadora rejeição, por parte dos cidadãos britânicos, da transferência orçamental líquida do seu país para o resto da União Europeia, que equivale actualmente a 0,4% do PIB. Desde que a primeira-ministra Margaret Thatcher exigiu "o seu dinheiro de volta", em 1979, os custos orçamentais da adesão à UE têm ofuscado completamente as suas vantagens económicas na opinião do público.

 

O segundo argumento foi o triste estado da economia europeia. Em termos de crescimento do PIB, emprego ou inovação, outros países da UE, em média, ficam atrás do Reino Unido (e, num grau ainda maior, dos Estados Unidos). Se anteriormente a adesão à UE era considerada como uma porta de entrada para a prosperidade, hoje é cada vez mais vista como um obstáculo ao progresso.

 

Mas ultimamente, como apontou recentemente John Van Reenen, da London School of Economics, o argumento económico para o Brexit tem estado cada vez mais ausente. Para os seus defensores é difícil explicar que tipo de acordos comerciais e de parceria é que o Reino Unido poderia fazer com a UE, e muito menos como esses acordos seria mais vantajosos do que o arranjo actual. Como resultado, é difícil argumentar que o Reino Unido receberia um impulso económico líquido - ou mesmo que não sofreria consideravelmente - deixando a UE.

 

Das oito avaliações económicas realizadas recentemente pelo Instituto de Estudos Fiscais, uma respeitada instituição independente de pesquisa, apenas uma afirma que sair da UE levaria a ganhos económicos significativos. E esse estudo - produzido, sem surpresa, por economistas defensores do Brexit - foi duramente criticado pelos restantes economistas por falta de uma base de análise apropriada.

 

A maioria dos estudos conclui que o Reino Unido iria sofrer significativamente se saísse da UE. Os exportadores do Reino Unido acabariam por participar menos no grande mercado da União Europeia, e seriam excluídos dos acordos negociados pela UE que asseguram o acesso aos principais mercados internacionais. Ainda que o Reino Unido pudesse negociar novos acordos com esses parceiros, isso levaria tempo e, agindo sozinho, o seu poder de negociação seria presumivelmente mais fraco.

 

Isto significa que o Reino Unido faria menos trocas comerciais com a UE e com os parceiros não-comunitários. Pagaria preços mais altos pelos insumos e bens de consumo, e a reduzida integração das empresas britânicas nas cadeias globais de valor prejudicaria a produtividade. O custo em termos do PIB seria 5-20 vezes maior do que a poupança implícita por não contribuir para o orçamento da UE. Não é um negócio atraente, para dizer o mínimo.

 

Toda a análise moderna da internacionalização económica mostra que o comércio externo é um mecanismo de selecção poderoso. Oferece grandes oportunidades de crescimento para as empresas mais produtivas e inovadoras, ao mesmo tempo que lhes permite aprender com os seus concorrentes estrangeiros. Não é por acaso que as melhores empresas do mundo - que têm a mais alta produtividade, lucros e salários, e investem no fortalecimento do capital humano - são campeões comerciais. O impacto adverso do Brexit na margem das empresas britânicas para o desenvolvimento aumentaria ainda mais o custo económico.

 

Estes argumentos foram vigorosamente apresentados antes do referendo. No entanto, eles não têm simplificado o debate sobre os custos e benefícios do Brexit. Isso deve-se, em parte, ao facto de o debate não estar estruturado ao longo das linhas dos partidos.  Os conservadores do primeiro-ministro David Cameron estão profundamente divididos sobre o tema, enquanto o Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn tem uma atitude quase indiferente em relação à UE. Dado que a escolha não é entre esquerda e direita, os pontos de vista independentes ganharam maior peso.

 

O referendo de 23 de Junho tem a sua própria importância, devido às suas implicações de longo alcance para a relação do Reino Unido com a Europa. Mas também vai oferecer lições mais amplas.

 

Se os eleitores britânicos decidirem deixar a UE, irão indicar que os argumentos económicos racionais têm menos peso do que os apelos emocionais. Tal resultado irá impulsionar as forças populistas noutros lugares - de Itália a França e aos EUA - na sua defesa de políticas isolacionistas que a maioria dos especialistas considera como um disparate económico. Para fazer frente a estas forças e políticas, os principais partidos políticos terão de abordar o seu fracasso, mesmo com os factos do seu lado, para oferecer uma narrativa válida o suficiente para convencer os eleitores a escolherem a abertura económica.

 

Um resultado favorável à permanência na UE teria o impacto oposto, destacando que, independentemente dos sentimentos negativos que as pessoas possam ter em relação a uma política ou entidade, a razão e a lógica não podem ser postas de lado. Igualmente importante é que tal resultado poderia incentivar um maior escrutínio das consequências económicas de programas populistas nos EUA e no resto da Europa.

 

Assim, o que está em jogo no referendo de 23 de Junho não é apenas a relação entre o Reino Unido e a União Europeia – ou até o futuro do "projecto europeu". A decisão dos eleitores será um teste importante para saber se as escolhas democráticas nos países avançados são regidas pela racionalidade económica ou por paixões populares.

 

Jean Pisani-Ferry é professor na Hertie School of Governance em Berlim e comissário-geral da France Stratégie.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org 
Tradução: Rita Faria

Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio