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O próximo grande erro da Europa

Na construção da União Monetária europeia, os líderes políticos não pensaram sobre todas as consequências, o que conduziu a grandes defeitos estruturais. Pior, os líderes europeus aparentemente não aprenderam nada com essa experiência dado que estão a preparar-se para cometer os mesmos erros na construção da união política.

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A crise financeira está a conduzir os europeus na direcção de uma maior integração o que implica novos mecanismos para a expressão política. Antes da crise, a União Europeia (UE) era percepcionada como estando a sofrer de um “défice democrático”. Agora, com muitos europeus a culparem a UE pelas dolorosas medidas de austeridade, esse défice aumentou – e os líderes políticos europeus acreditam que têm de actuar já para combater esse problema.

 

Infelizmente, a Europa enfrenta outro défice: a falta de liderança política. Nos dias de hoje não há figuras carismáticas como em meados do século XX existiam - Churchill, Adenauer e de Gaulle. Os cidadãos associam a UE, acima de tudo, a uma burocracia cinzenta e a uma racionalidade tecnocrata.

 

Os líderes europeus estão agora a responder a estas deficiências com iniciativas para reformar e democratizar a Comissão Europeia. O actual presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, sugere que os partidos políticos com os mesmos ideais e que são candidatos às próximas eleições para o Parlamento Europeu intensifiquem a cooperação nas suas “famílias” políticas para que depois possam nomear em conjunto candidatos para a presidência da Comissão. Isso iria ser sentido como se eles estivessem a nomear um governo. E os políticos iriam precisar de reforçar o seu carisma de forma a poderem ser eleitos.

 

Esta abordagem tem sido apoiada por personalidades como o ex-primeiro-ministro britânico, Tony Blair. Dado que aparentemente esta abordagem não implica qualquer perda real de poder para os governos nacionais, ela alcançou um certo nível de aceitação e parece estar perto de ser implementada. Mas isso não faz dela uma boa ideia. Em particular e porque esta ideia canaliza as famílias políticas existentes na Europa para um sistema de dois partidos, com os sociais-democratas de um lado e os “partidos populares” do outro, ela é muito problemática.

 

O modelo de parlamento com dois partidos emergiu no século XIX na Grã-Bretanha. Os eleitores escolhiam apenas um representante para a Câmara dos Comuns, e o partido mais votado apontava uma personalidade para primeiro-ministro. A ópera cómica britânica contemporânea, Iolanthe, celebra o facto de “que todos os rapazes e todas as raparigas que nascem vivas são ou um pouco liberais ou um pouco conservadoras”. Mas, e se nem todos os rapazes e raparigas nascerem dessa forma?

 

O modelo britânico é estável no sentido em que se um partido político é demasiado radical, ele vai perder o eleitorado do centro nas próximas eleição. A rivalidade política é saudável, ainda que haja uma tendência para que sejam encontradas soluções que alcancem um amplo consenso social. Mas tal resultado institucional não é inevitável (e provavelmente já não vai resistir, nem mesmo na Grã-Bretanha).

 

Os legisladores britânicos recomendaram este modelo para outros países. Eles foram especialmente persuasivos para com as antigas colonias britânicas, nomeadamente nos países africanos recentemente independentes. Os resultados foram desastrosos. Os cidadãos não conseguiam entender porque deviam alinhar as suas preferências políticas entre um simples espectro de direita e esquerda. Em vez disso, a política era frequentemente reformulada nos termos das antigas tensões étnicas e de grupos.

 

Os Estados Unidos actualmente também estão longe de ser um exemplo de que a competição entre dois partidos leva a um aumento da moderação e do centrismo político. Pelo contrário, a luta partidária pode jogar-se nos extremos.

 

A tese da moderação de dois partidos faz sentido apenas se as principais diferenças em relação à distribuição da riqueza, num modelo simples, derivar praticamente do modelo marxista de determinismo económico. Um partido de esquerda quer que haja uma distribuição maior dos rendimentos e da riqueza e os partidos de direita querem uma distribuição menor; mas ambos precisam de se conter e de apelar a um eleitor mediano, e assim tornam-se em alternativas muito semelhantes.

 

Num mundo interligado, contudo, uma nova política foi desenvolvida. Tanto os partidos de direita como de esquerda temem que a competição externa ou as influências limitem a sua capacidade de formar as escolhas políticas. As suas principais preferências políticas antes eram resistentes a essas ameaças externas. A velha polaridade esquerda-direita já não funciona.

 

A criação artificial de uma nova divisão política europeia entre a esquerda e a direita irá criar novas lutas – e intensificar as antigas – sobre a distribuição da riqueza. A única coisa que iria segurar a esquerda junta seria o argumento de que deveria haver mais distribuição: mas para quem e de acordo com que mecanismo?

A Europa hoje não precisa de líderes inspiradores que possam estimular um frenesim populista. Em vez disso, precisa de líderes locais respeitáveis que sejam capazes de trabalhar num mundo político complexo e multidimensional. 
Harold James

 

Nem é claro que os socialistas espanhóis tenham mais em comum com os sociais-democratas alemães do que com os seus camaradas nacionais. Cada grupo ideológico muito provavelmente vai tornar-se faccionados junto das linhas nacionais complexas – divisões que provavelmente vão ter reflexo na competição para ser carismático. Em vez de encorajar novos Churchill e Adenauer, o resultado pode ser novos imitadores de Hitler ou de Estaline.

 

Há um modelo melhor, desenvolvido num tubo de ensaio diversificado linguistica, cultural e religiosamente no coração geográfico da Europa: o modelo suíço de Konkordanzdemokratie. No sistema suíço, vários partidos competem mas eles não têm por objectivo controlar o governo. Em vez disso, todos os maiores partidos estão representados no Governo e estão, consequentemente, obrigados a fazer concessões. Os membros do Governo federal são, por vezes, motivados pelas fidelidades regionais e, outras vezes, pelos compromissos ideológicos; todos eles precisam de ser negociados quando é altura de tomar decisões.

 

A solução suiça de eleger um governo abrangente e equilibrado tende a produzir políticas chatas e pouco inspiradoras. É famoso o facto de apenas poucas pessoas saberem quem é que detém a presidência rotativa anual da Suíça.

 

Os políticos carismáticos actuam através da polarização, da galvanização e da mobilização dos seus apoiantes; as políticas de rotina, por outro lado, exigem a manutenção de um perfil discreto e estão dispostos a fazer compromissos. A Europa hoje não precisa de líderes inspiradores que possam estimular um frenesim populista. Em vez disso, precisa de líderes locais respeitáveis que sejam capazes de trabalhar num mundo político complexo e multidimensional.

 

Harold James é professor de Estudos Europeus na Universidade de Princeton e autor de "Making the European Monetary Union"

 

Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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