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17 de Julho de 2016 às 17:52

A promessa de um Regrexit

Até o povo britânico ter votado a favor da saída do Reino Unido da União Europeia, a crise dos refugiados era o principal problema da Europa. Com efeito, essa crise desempenhou um papel crucial na concretização da calamidade do Brexit.

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A votação a favor do Brexit foi um grande choque; na manhã a seguir ao referendo, a desintegração da União Europeia parecia praticamente inevitável. Várias crises em formação noutros países do bloco europeu, especialmente em Itália, agravaram o prognóstico sombrio relativo à sobrevivência da UE.

 

No entanto, à medida que o choque inicial perante o resultado do referendo britânico se vai dissipando, algo inesperado tem vindo a acontecer: a tragédia já não parece um facto consumado. Muitos votantes britânicos começaram a sentir um certo "remorso de comprador" quando aquela probabilidade se tornou real. A libra esterlina desvalorizou fortemente e começou a desenhar-se a forte possibilidade de se realizar um novo referendo na Escócia. Os que antes lideraram a campanha pelo "Leave" envolveram-se numa peculiar guerra de auto-destruição fratricida; e alguns dos seus seguidores começaram a vislumbrar o futuro sombrio que os espera, como país e pessoalmente. Um sinal de mudança da opinião pública foi uma campanha, defendida por mais de quatro milhões de pessoas até agora, para entregar no Parlamento uma petição a exigir a realização de um segundo referendo.

 

Tal como o Brexit foi uma surpresa negativa, a resposta espontânea que gerou foi positiva. Mobilizaram-se pessoas de ambos os lados da causa – e, mais importante ainda, pessoas que nem sequer votaram no referendo (especialmente jovens com menos de 35 anos). Este é o tipo de participação dos cidadãos que a UE nunca foi capaz de gerar.

 

A agitação pós-referendo mostrou ao povo britânico o que tinha acabado de perder ao sair da União Europeia. Se este sentimento se estender ao resto da Europa, o que parecia ser a inevitável desintegração da UE pode, em vez disso, criar uma dinâmica positiva com vista a uma Europa melhor e mais forte.

 

O processo poderá começar no Reino Unido. O voto popular não pode ser revertido mas uma campanha de recolha de assinaturas poderá transformar o panorama político ao dar a conhecer um novo entusiasmo pelo facto de se pertencer à UE. Esta abordagem poderá ser então replicada no resto da União Europeia, criando um movimento para salvar a UE através de uma reestruturação profunda. Estou convicto de que, à medida que as consequências do Brexit se forem revelando nos próximos meses, cada vez mais pessoas desejarão juntar-se a este movimento.

 

O que a UE não pode fazer é penalizar os votantes britânicos e ignorar os seus legítimos receios no que diz respeito às deficiências da União. Os líderes europeus devem admitir os seus próprios erros e reconhecer o défice democrático da actual estrutura institucional. Em vez de tratarem o Brexit como a negociação dos termos de um divórcio, devem aproveitar a oportunidade para reinventarem a União Europeia – tornando-a no tipo de clube ao qual o Reino Unido e outros membros descontentes querem pertencer.

 

Se os eleitores descontentes de França, da Alemanha, da Suécia, de Itália, da Polónia e dos demais países virem que pertencer à UE lhes é benéfico, a União Europeia sairá fortalecida. Caso contrário, irá desmoronar-se mais depressa do que os governantes e os cidadãos actualmente crêem.

 

Itália é a próxima zona de turbulência, numa altura em que enfrenta uma crise bancária e se prepara para um referendo em Outubro. O primeiro-ministro Matteo Renzi está perante num dilema: se não conseguir resolver atempadamente a crise da banca, perderá o referendo. Isso poderá conduzir ao poder o Movimento Cinco Estrelas, parceiro no Parlamento Europeu do Partido pela Independência do Reino Unido (UKIP) e fervoroso defensor do Brexit. Para encontrar uma solução, Renzi precisa da ajuda das autoridades europeias, mas estas são demasiado lentas e inflexíveis.

 

Os líderes europeus têm de reconhecer que a UE está à beira do colapso. Em vez de culparem este ou aquele, devem unir-se e adoptarem medidas excepcionais.

 

Em primeiro lugar, há que traçar uma distinção clara entre ser membro da União Europeia e da Zona Euro. Os países que têm a sorte de não pertencerem à Zona Euro não devem ser discriminados. Se a Zona Euro deseja, a justo título, uma integração mais estreita, então terá de ter a sua própria Tesouraria e o seu próprio Orçamento, que representarão a autoridade orçamental a par com a sua autoridade monetária, o Banco Central Europeu.

 

Em segundo lugar, a União Europeia deve utilizar a sua excelente e bastante desaproveitada capacidade creditícia. Seria uma irresponsabilidade os líderes não utilizarem essa capacidade quando é a própria existência da UE que está em jogo.

 

Em terceiro lugar, a UE tem de reforçar as suas defesas para se proteger dos inimigos externos, que provavelmente tentarão aproveitar-se da sua actual debilidade. O maior activo da União Europeia é a Ucrânia, cujos cidadãos estão dispostos a morrer em defesa do seu país. Ao defenderem-se, estão também a defender a UE – o que é pouco frequente na Europa, hoje em dia. A Ucrânia tem a sorte de ter um novo governo que está mais determinado e mais disposto a implementar as reformas que tanto os seus cidadãos como os seus apoiantes externos têm vindo a pedir. Mas a União Europeia e os seus Estados-membros não estão a dar à Ucrânia o apoio que esta merece (os Estados Unidos têm sido muito mais interventivos nesse aspecto).

 

Em quarto lugar, os planos da UE para lidar com a crise dos refugiados têm de ser reavaliados de ponta a ponta, pois estão repletos de ideias falsas e contradições, o que os torna ineficazes; são muito mal financiados e usam medidas coercivas que geram resistência. Propus num outro texto uma série de soluções para estes problemas.

 

Se a União Europeia fizer progressos nestas frentes, tornar-se-á uma organização à qual as pessoas quererão pertencer. Nessa altura, a renegociação dos tratados – e uma maior integração – voltará a ser possível.

 

Se os líderes europeus não agirem, os que querem salvar a UE para a reinventar poderão seguir o exemplo dos jovens activistas britânicos. Agora, mais do que nunca, os defensores da União Europeia têm de encontrar formas de fazer sentir a sua influência. 

George Soros é presidente do Soros Fund Management e da Open Society Foundations, e é o autor do livro intitulado The Tragedy of the European Union: Disintegration or Revival?

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org


Tradução: Carla Pedro
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