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20 de Novembro de 2014 às 20:00

Testando a rede de segurança da Zona Euro

As autoridades monetárias da Zona Euro estão consumidas com ajustes triviais como o grau de "flexibilidade" nas regras orçamentais e o plano dúbio do BCE de comprar activos garantidos. Durante todo este tempo, mostraram-se confiantes no lema de Scarlett O’Hara: "Amanhã é outro dia".

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A 14 de Outubro, à medida que outra tempestade financeira se formava sobre a Europa, o Tribunal de Justiça da União Europeia (ECJ, na sigla anglo-saxónica) reunia-se no Luxemburgo. Nos próximos meses, o ECJ irá avaliar a decisão do Tribunal Constitucional alemão de que o programa de "transacções monetárias directas" (OMT, na sigla anglo-saxónica) do Banco Central Europeu (BCE) – que autoriza a instituição a comprar obrigações soberanas dos países mais fracos da Zona Euro, em troca da sua sujeição às regras do Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM, na sigla anglo-saxónica) – é ilegal.

 

O mero anúncio das OMT – a mais poderosa ferramenta de gestão de crise da zona euro – acalmou imediatamente os mercados em pânico no Verão de 2012, levando o presidente do BCE, Mario Draghi, a descrevê-la como "a mais bem-sucedida medida de política monetária anunciada nos últimos tempos". É por isso que a decisão do tribunal alemão no início deste ano, de que as OMT ultrapassam a autoridade do BCE segundo o Tratado de Lisboa, foi recebida com consternação.

 

O tribunal alemão, contudo, fez uma pausa para requerer ao ECJ – o derradeiro árbitro da lei europeia – o seu parecer. E, uma vez que o pânico dos mercados financeiros em 2012 diminuiu, parece que as OMT cumpriram o seu papel, sem nunca terem sido usadas.

 

Entretanto, no início do passado mês Outubro, em pleno abrandamento do crescimento global, os indicadores económicos alemães desfaleceram, o prémio de risco das obrigações soberanas gregas disparou e as estatísticas do BCE mostram que os investidores estão a sair de Itália. A Europa poderá estar a enfrentar outro momento de acerto de contas e os cenários são sombrios. Subitamente, as deliberações do ECJ tornaram-se muito mais importantes.

 

Claro que esta tempestade pode desaparecer. Mas outras irão sem dúvida surgir. A economia da Zona Euro enfrenta o cenário mais severo desde o início da crise financeira global em 2008. As perspectivas de crescimento têm sido constantemente reduzidas; os rácios de dívida pública/PIB têm subido drasticamente, apesar da – ou, conforme outros poderão argumentar, por causa da – implacável austeridade orçamental; o peso da dívida das famílias não está a diminuir; e o círculo vicioso italiano de aumento da dívida e queda dos preços irá em breve ser o destino de outras economias em apuros na Zona Euro.

 

Adicionalmente, todas as medidas possíveis para impulsionar o crescimento – incluindo um ousado estímulo orçamental em toda a Zona Euro (não só na Alemanha) e uma substancial depreciação do euro internacionalmente coordenada – já foram descartadas. Simplificando, a Zona Euro está frágil e carece de uma rede de segurança fiável.

 

O programa das OMT poderia fornecer essa rede de segurança. Mas a argumentação construída pelo tribunal alemão é forte. Na verdade, é baseada no julgamento do próprio BCE ao validar o ESM (o actual esforço da Zona Euro para criar uma barreira contra crises financeiras).

 

O Tribunal Constitucional alemão e o ECJ concordam que o Tratado de Lisboa proíbe o BCE de actuar para ajudar um Estado em risco de insolvência; isso é um assunto político e orçamental. As melhores práticas do banco central seguem a mesma perspectiva. O argumento do BCE, de que o principal objectivo do programa das OMT é prevenir a fragmentação da Zona Euro, não é convincente para o tribunal alemão, visto que um só Estado quase insolvente não quebraria a união.

 

O ECJ poderá pedir ao BCE que retire a sua promessa sobre as OMT. Até mesmo Jörg Asmussen, antigo membro do Conselho de Governadores do BCE, concordou com o tribunal alemão de que a promessa de compras "ilimitadas" contraria o tratado e, por isso, teria de ser limitada. Até porque, quando as compras começarem, o mercado irá testar o BCE para perceber onde irá ser definido o limite.

 

Ainda pior, o BCE fez uma promessa ambígua de partilhar as perdas com os credores privados, se um Estado em apuros eventualmente não pagar as suas dívidas. Se o ECJ reverter este apoio, as OMT não deverão sobreviver.

 

Se, por outro lado, o ECJ encontrar um argumento legal para validar o programa – e o tribunal alemão, sensível às actuais incertezas financeiras, concordar – as ambiguidades serão postas de lado, para serem discutidas posteriormente. Uma perda incorrida pelo BCE numa operação de OMT criaria uma obrigação orçamental para a Alemanha (e outros), com amplas consequências políticas. (As minutas dos encontro do Conselho de Governadores do BCE recentemente divulgadas salientam as diferenças entre as perspectivas de Draghi e do presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, aumentando as preocupações sobre o funcionamento das OMT.)

 

O problema é que nenhuma destas discussões abrange a falha fundamental da estrutura da Zona Euro: é uma união monetária incompleta. Os países da Zona Euro abandonaram a soberania monetária, mas continuam relutantes em pagar pelos erros orçamentais dos outros.

 

Avessas a confrontar este assunto, as autoridades monetárias da Zona Euro estão consumidas com ajustes triviais como o grau de "flexibilidade" nas regras orçamentais e o plano dúbio do BCE de comprar activos garantidos. Durante todo este tempo, mostraram-se confiantes no lema de Scarlett O’Hara: "Amanhã é outro dia".

 

Uma garantia financeira como as OMT pode fazer milagres na atenuação dos temores do mercado e na redução da pressão, mas apenas se for credível. Se não for, é provável que falhe estrondosamente.

 

Para evitar esse fim, os líderes da Europa devem concordar em partilhar, com transparência total, quaisquer perdas em que o BCE incorra nas suas operações de OMT, dando assim às OMT a legitimidade política que necessitam para actuarem como uma protecção eficaz para a Zona Euro. Tal acordo poderia, contudo, levar a um referendo popular na Alemanha, numa altura em que já seria ineficaz.

 

Sejam quais forem as suas falhas, as OMT são o mais próximo de rede de segurança que a Zona Euro tem. As autoridades já antes tiraram a Zona Euro do abismo. É tarde de mais para fazê-lo de novo?

 

Ashoka Mody, ex-chefe de missão do Fundo Monetário Internacional para a Alemanha e Irlanda, é actualmente professor convidado de Política Económica Internacional na Woodrow Wilson School of Public and International Affairs, Princeton University.

 

Copyright: Project Syndicate, 2014.

www.project-syndicate.org

 

Tradução: André Tanque Jesus

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