Opinião
Grito de alerta da rupia indiana
A rupia indiana tem enfraquecido muito depressa nos últimos meses, com a taxa de câmbio face ao dólar a cair 11% para cerca de 60 rupias, desde o princípio de Maio. Como símbolo da força da economia indiana, a queda da rupia já fez correr mais tinta e causou mais angústias que o habitual, tanto no próprio país como no estrangeiro.
Efectivamente, há motivos para haver preocupações, mas não por o valor da rupia ter caído. De facto, a queda estava prevista há muito tempo e a recente incerteza no mercado constitui apenas uma chamada de aviso.
O real motivo de preocupação é o facto da Índia ter perdido competitividade internacional e ao mesmo tempo ter comprado tempo contraindo empréstimos a credores instáveis. O ímpeto de crescimento esfumou-se e, com uma inflação elevada persistente, os produtores indianos lutam por competir no mercados mundiais. O défice na conta corrente tem aumentado implacavelmente devido ao crescente défice comercial (actualmente representa 13% do PIB), o que aumenta o perigo de uma crise na balança de pagamentos.
O PIB indiano cresceu a taxas vertiginosas de 8 a 10% ao ano entre 2004 e 2007, um período que parecia pressagiar um decisiva ruptura com a “anémica taxa indiana de crescimento”. As reformas libertaram novas energias empreendedoras e a perspectiva de um futuro melhor elevou as aspirações das pessoas.
Com os fabricantes estrangeiros lançados ao ataque para satisfazer o novo apetite de bens de consumo duradouros, a Índia voltou os seus olhos lá para fora. A economia mundial – numa etapa de expansão – deu as boas-vindas aos serviços informáticos da Índia. Esse era o momento para investir no futuro.
Mas a oportunidade desperdiçou-se. A infra-estrutura não manteve o ritmo que a economia necessitava e, algo mais deplorável ainda, os padrões educativos regrediram. Para um país que pretende posicionar-se como líder da economia mundial em matéria de conhecimento, descuidar-se no investimento educativo foi um grave erro, e agora outros países reclamam o papel que a Índia aspirava ter. Mesmo nas épocas áureas, a Índia nunca conseguiu introduzir-se no mercado mundial de bens manufacturados. Actualmente, o investimento local ruiu, as exportações definharam, e o crescimento do PIB caiu para 4,5% ao ano.
Além disso, a Índia desenvolveu uma tendência para ter uma inflação crónica, graças a uma infeliz combinação de pontos de estrangulamento no abastecimento (causados por uma infra-estrutura insuficiente) e excessos de procura (graças aos persistentes défices públicos). Os défices orçamentais ofereceram o que parecia ser um almoço grátis, e, como resultado, a inflação que disso resultava corroía o valor real da dívida pública, enquanto o governo tinha acesso privilegiado às poupanças privadas a taxas de juro reais próximas de zero.
Com tanta generosidade para distribuir, o governo converteu-se numa fonte de contratos com uma ganância de ganhos anuais, que oferecia bons rendimentos a quem tivesse influências políticas. Isso debilitou os incentivos para os empreendedores, e, à medida que a posição exterior da Índia se deteriorava, a rupia sobrevalorizou-se significativamente entre princípios de 2009 e finais de 2012, negociando com uma flutuação mínima, enquanto a inflação interna galopava num ambiente global de relativa estabilidade de preços.
No meio de uma competitividade que se deteriorava, a rupia foi sustentada com fundos externos cada vez mais instáveis. Tradicionalmente, quase metade do défice comercial da Índia foi financiado com as remessas dos expatriados. Parte desse fluxo é firme, porque representa um apoio aos familiares na Índia, mas uma grande parte são investimentos oportunos que procuram rendimentos reais. Segundo os dados mais recentes, as remessas têm vindo a abrandar e mesmo a diminuir.
De forma semelhante, os investidores estrangeiros de longo prazo encontraram motivos para fazer uma pausa. Isto não surpreende, dada a desaceleração no crescimento do consumo (as vendas de automóveis, por exemplo, têm sofrido uma queda prolongada). A Índia deverá recorrer a créditos de cada vez mais curto prazo para financiar o défice externo, a forma mais caprichosa do capital internacional.
Como alertou Rudi Dornbusch, antigo professor de economia do MIT, as crises demoram mais do que o esperado a chegar, mas são mais rápidas do que se pensa quando realmente chegam. A Índia pode estar particularmente vulnerável, já que todos os participantes foram cúmplices de uma silenciosa conspiração de negação. Uma taxa de câmbio sobrevalorizada fortalece a capacidade de reembolsar, pelo que os banqueiros internacionais a encorajam, até que cortam e fogem. E o governo indiano tem um papel importante na apreciação da rupia ao facilitar o acesso ao crédito externo às empresas.
Contudo, numa época em que restringir o acesso a fundos internacionais de curto prazo tornou-se intelectualmente respeitável, a recusa do governo em aplicar travões foi desconcertante. O Fundo Monetário Internacional (FMI), que agora apoia a imposição selectiva do controlo de capitais, não parece estar preocupado. O valor da rupia, segundo as conclusões da sua revisão anual, é adequado. Esta avaliação benévola é coerente com o histórico do FMI de negligenciar as informações sobre a crise.
Com uma rupia sobrevalorizada, não há boas opções políticas. Para evitar uma queda a pique, a gestão macroeconómica de curto prazo necessita de uma depreciação implementada oficialmente através de métodos administrativos e restrições ao endividamento externo. Uma rupia depreciada deveria ajudar a reavivar as exportações indianas e aumentar o crescimento. Mas, face à ausência de acções complementares, a depreciação – implementada pelo governo ou imposta pelo mercado – piorará as coisas.
Para reduzir as pressões inflacionistas adicionais que implicam uma rupia mais débil, é necessária uma racionalização orçamental mais agressiva. Ainda assim, uma rupia depreciada aumentará o peso do reembolso da dívida externa e aprofundará os problemas das empresas e dos bancos locais.
Para reivindicar a sua promessa, a Índia deverá fomentar uma nova geração de crescimento da produtividade. O momento de actuar é agora. Infelizmente, é possível que seja necessária uma grave crise para colocar essa resposta em movimento.
Ashoka Mody é professor convidado de Política Económica Internacional na Woodrow Wilson School of Public and International Affairs, da Universidade de Princeton, membro convidado do think tank Bruegel, e antigo chefe da missão do FMI para a Alemanha e Irlanda.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2013.
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Tradução: Jorge Garcia