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10 de Outubro de 2013 às 15:20

Um novo teste grego para a Europa

Ao longo do último ano, foi fácil perder de vista a crise da dívida da Grécia. Inundada por fundos estatais estrangeiros, a Grécia estava, aparentemente, a recuperar. Apesar dos planos de privatização estarem atrasados, os gregos receberam notas elevadas por terem redobrado a austeridade orçamental. Neste Verão europeu de um silencioso triunfalismo, as expectativas, que se encontram em mínimos históricos, foram sempre fáceis de superar. Mas a Grécia deverá colocar a Europa novamente sob teste – e com grande violência.

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A crise na Grécia foi espectacularmente fora do vulgar. Depois de revelado que sucessivos governos esconderam desequilíbrios macroeconómicos e défices orçamentais gigantes, a Grécia perdeu o acesso aos mercados obrigacionistas internacionais. Desde 2010, o país tem estado dependente de fundos de resgate de uma dimensão sem precedentes. Mas, dado que os credores da Grécia - Fundo Monetário Internacional e os governos europeus - entenderam de forma errada os desafios que o país enfrentava, o resgate apenas adiou o inevitável incumprimento soberano e conduziu a economia grega a uma abrupta contracção, maximizando a dor.

 

A esperança era a de que fossem os gregos a suportar os encargos. Nunca foi uma ideia realista. A crise grega esteve sempre destinada a espalhar-se para lá das fronteiras nacionais - a questão é quem iria partilhar esse custo.

 

Hoje em dia, o principal factor para se chegar a uma solução é a decisão relativa à próxima ronda de ajuda à Grécia, que ameaça quebrar os moldes da escala do perdão da dívida soberana, desafiar o alegado tratamento isolado do FMI num incumprimento e, em traços gerais, modificar o quadro legal da Zona Euro.

 

A conclusão de que a Grécia precisava de empréstimos estatais para pagar aos credores privados fez com que a dívida grega permanecesse enorme, obrigando os líderes da Zona Euro a exigir uma austeridade orçamental que debilitou a economia. No último ano, ficou claro que a Grécia não iria conseguir pagar aos credores oficiais nas condições acordadas. Mas o plano de perdão de dívida europeu, embora meticulosamente trabalhado, era fictício. A continuada redução das taxas de juro e a extensão das maturidades serviram, apenas, para prolongar o esforço da Grécia.

 

Até agora, a Grécia não devolveu quase nada dos 282 mil milhões de euros que recebeu, em empréstimos, desde 2010. E as coisas podem piorar. Alguns analistas defendem que, dadas as garantias de dívida incorridas pelas empresas públicas, as obrigações do governo grego serão ainda maiores. Para escapar a esse pântano, a Grécia precisa de registar uma enorme imparidade da sua dívida.

 

Mas há aqui uma reviravolta. Praticamente todos os pagamentos de dívida que a Grécia tem no próximo ano são para o FMI, cujo estatuto implícito de credor “preferencial” assegura que recebe em primeiro lugar. Dado que está rapidamente a ficar sem dinheiro, a Grécia terá primeiro de pedir emprestado ou aos vizinhos europeus ou ao próprio FMI. Se o FMI flexibilizar as condições dos seus empréstimos à Grécia, deverá enfrentar violentos protestos dos seus devedores menos ricos e comprometer o seu estatuto enquanto credor preferencial – algo que nem a pouco activa assembleia de governadores do Fundo deverá aceitar. O Fundo, que se precipitou para tirar a Grécia do abismo, está pronto para recuar.

 

Por essa razão, os governos europeus vão, provavelmente, emprestar mais dinheiro, apesar de saberem que ele não será devolvido. Para os líderes dos países credores, o registo de uma imparidade consubstanciará a quebra da promessa de que os contribuintes nunca iriam pagar a factura – uma garantia que constituiu, também, a base legal para o apoio à Grécia. O Tribunal de Justiça da União Europeu decidiu que os empréstimos cedidos para proteger a estabilidade financeira não violavam a cláusula de “não resgate” do Tratado de Lisboa, desde que as suas condições fossem “razoáveis”. Mas quão razoável é se a Grécia não tiver de cumprir as obrigações de reembolso?

 

Apesar da oposição interna, a chanceler alemã Angela Merkel assumiu o compromisso de manter a Grécia na Zona Euro, dado que havia um risco demasiado grande de uma saída do país do euro poder precipitar uma desintegração da união monetária. Mas esta lógica não teve em conta as ramificações políticas, o que ameaçou minar ainda mais a unidade europeia.

 

Os eleitores alemães estão inequivocamente ansiosos. Embora possa ser demasiado tarde para evitar um perdão da actual dívida grega, o próximo governo da Alemanha não terá mandato para proporcionar mais empréstimos. Como tal, alguns projectos importantes, como o estabelecimento de uma união bancária europeia, que iriam exigir um suporte orçamental, deverão ser adiados ou estarão até em risco de extinção. A prática de apresentar factos consumados tecnocráticos aos parlamentos nacionais vai apenas gerar ressentimentos mais profundos.

 

Para ser preciso, há sempre a possibilidade de a cada vez mais terrível situação da Grécia vir a catalizar, finalmente, a criação de um fundo de resgate pan-europeu legitimado democraticamente que dê um alívio automático e incondicional aos países em dificuldades. A União Europeia iria, assim, transformar-se numa verdadeira federação: os Estados Unidos da Europa. Isso seria um triunfo para o projecto europeu.

 

Dada a improbabilidade desse desenlace, os cidadãos europeus têm de se preparar para mais uma ronda de agitação política e jurídica. A Europa que daí emerge pode parecer, para o melhor e para o pior, muito diferente da Europa de hoje. 

 

Ashoka Mody, antigo chefe de missão do Fundo Monetário Internacional para a Alemanha e Irlanda, é professor visitante de política económica internacional na Woodrow Wilson School of Public and International Affairs, Universidade de Princeton. 

 

Copyright: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org

Tradução de Diogo Cavaleiro

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