Opinião
Solidariedade com os tubarões
Tendo em conta que os tubarões são uma captura secundária comercialmente valiosa de outras pescarias (habitualmente as dedicadas ao atum), as organizações regionais de gestão pesqueira tendem a não elaborar regulações específicas para eles.
Há já muito tempo que se diz que conhecemos melhor a Lua do que os oceanos. Além do mais, 12 pessoas andaram na superfície lunar, enquanto apenas três estiveram na parte mais profunda do mar. Mas agora parece que nós sabemos bem menos acerca dos oceanos do que pensávamos – e podemos ter causado danos ainda maiores do que imaginávamos.
Um estudo recente concluiu que a captura de peixe foi subestimada durante anos. Isto deveria chamar a atenção tanto das organizações regionais de gestão pesqueira, que devem supervisionar a pesca no alto mar, como daquelas que velam pelo cumprimento da Convenção das Nações Unidas sobre a Conservação das Espécies Migratórias pertencentes à Fauna Selvagem (CMS na sigla inglesa), que abarca as espécies migratórias em risco de extinção.
De acordo com a CMS, as espécies que actualmente requerem uma protecção mais estrita – listadas no Appendix I – incluem os tubarões brancos, cinco espécies de peixe-serra e as 11 espécies de raias. Os encontros da CMS sobre tubarões brancos, que decorreram em Fevereiro em São José, na Costa Rica, foram uma oportunidade para avançar com regulamentações que assegurem a conservação e a utilização sustentável destas espécies, de forma a que possam continuar a cumprir o seu crítico papel ecológico de predadores superiores.
Na sua última conferência, que decorreu em Quito, Equador, em 2014, os membros da CMS adicionaram várias espécies de tubarões, cuja protecção os governos são encorajados a assegurar através da negociação de acordos internacionais. Um destes acordos, alcançado em 2010 e assinado, até agora, por 39 partes, é o Memorando de Entendimentos sobre a Conservação de Tubarões Migratórios. Apesar de ser legalmente não-vinculativa, a iniciativa proporciona um importante fórum para a chegada a acordos sobre políticas que garantam que qualquer exploração de populações de tubarões migratórios seja sustentável.
Mas, tal como realça um estudo recente sobre captura de peixe, falta-nos regularmente informação específica que permita determinar qual o nível de consumo que é sustentável. Sem isso, o princípio previdente – se em dúvida, não fazes – deveria ser aplicado. O problema é que a ausência de informação confiável pode fazer com que a necessária protecção de espécies pareça mais abstracta e menos urgente, enfraquecendo a capacidade dos governos para resistir a outras necessidades mais imediatas, especialmente a de protecção de relevantes necessidades de subsistência.
Enquanto isso, o consumo dos recursos oceânicos continua a aumentar. Ao longo das duas últimas gerações, enquanto a população mundial duplicou para 7,3 mil milhões, a quantidade de peixe capturado nos oceanos a cada ano aumentou ainda mais rapidamente, de 20 milhões de toneladas métricas, em 1950, para 77 milhões, em 2010. E estes são somente os dados oficiais, que não contabilizam as capturas ilegais, desreguladas e não reportadas.
Tendo em conta que os tubarões são uma captura secundária comercialmente valiosa de outras pescarias (habitualmente as dedicadas ao atum), as organizações regionais de gestão pesqueira tendem a não elaborar regulações específicas para eles. É por isso mais fácil aos tubarões deslizar através das lacunas no direito internacional do que eludir as redes dos pescadores – especialmente as redes de pesca especializadas que os pescadores utilizam nos dias que correm.
Na verdade, ao contrário da pesca artesanal do passado, os navios-fábrica e as tecnologias modernas permitiram um massivo aumento das capturas para satisfazer não apenas a procura local mas a dos mercados distantes também. Assim, acrescentar tantas espécies à lista de risco como aconteceu nos últimos anos não é nenhuma surpresa.
Neste ambiente desafiante, iniciativas como o Memorando de Entendimento tornam-se cada vez mais cruciais, como forma de encorajamento (muitas vezes com especificidade regional) de acções. Alguns signatários, incluindo alguns Estados das ilhas do Pacífico, declararam as suas enormes zonas económicas exclusivas santuários de tubarões e estabeleceram áreas onde a pesca é proibida. Pela sua parte, a Austrália, a Nova Zelândia e os Estados Unidos criaram esquemas de controlo e sistemas de avaliação para a gestão dos stocks pesqueiros.
Além disso, em resposta ao protesto contra a prática perdulária de remoção das barbatanas de tubarão, a União Europeia exige agora que todos os tubarões sejam devolvidos ao mar intactos, assim prevenindo a remoção de partes do tubarão cujo corpo, então menos valioso, é posteriormente atirado ao oceano. Isto foi reforçado pela garantia do Governo chinês de não servir sopa de barbatana de tubarão, considerada um manjar nos banquetes oficiais. Até mesmo empresas de carga e operadoras aéreas foram impulsionadas a agir, sendo cada vez maior o número das que se recusam transportar barbatanas de tubarão.
Ainda que tais progressos devam ser aplaudidos, ainda há um longo caminho a recorrer. Por exemplo, são necessários mais esforços para enfrentar a captura acidental (o aprisionamento de tubarões nas redes utilizadas para outro tipo de pesca, especialmente o atum). A chave passa por todas as partes interessadas - de pescadores e conserveiros aos governos e fóruns internacionais – trabalharem em conjunto através do Memorando de Entendimento e iniciativas similares.
O impacto económico adverso decorrente de tais esforços não é tão grande quanto se poderia esperar; em muitos casos, poderia ser mais do que compensado através de outro tipo de actividades comerciais que tirassem benefícios de tubarões vivos. O crescimento das actividades de ecoturismo nas Maldivas, Quénia, África do Sul, Fiji e em alguns países da América Central e das Caraíbas são um exemplo. Como atracção turística, observar de perto raias manta no seu habitat natural pode valer milhares de dólares; mortas numa laje de um cais, a carne e as guelras valem somente uma fracção daquele valor.
O pensamento de curto-prazo que trava os esforços de conservação ambiental pode provar-se devastador; na verdade, de alguma forma já o é. Se continuarmos a esgotar ecossistemas críticos, estes vão tornar-se brevemente incapazes de se regenerarem. Só através de um esforço concertado, cooperante e urgente para preservar os ecossistemas marinhos e proteger a subsistência dos que deles dependem é que os oceanos poderão continuar a alimentar – e fascinar – o mundo das gerações vindouras.
Bradnee Chambers é secretário-executivo da Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias pertencentes à Fauna Selvagem do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Copyright: Project Syndicate, 2016.
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Tradução: David Santiago