Opinião
Os problemas das bolhas nos mercados emergentes
O fracasso das economias de mercado emergentes pode ser facilmente desencadeado por qualquer coisa como uma pequena alteração nas condições mundiais, um soluço inesperado ou devido à instabilidade política doméstica.
Nota: Este artigo está acessível, nas primeiras horas, apenas para assinantes do Negócios Primeiro.
Alguns dos maiores países em desenvolvimento do mundo receberam um elevado montante de liquidez depois de terem sido reconhecidos, pelos investidores, como "economias de mercado emergentes". Estas economias têm vindo a aplicar políticas que têm em pouca conta as lições da crise financeira de 1997-1998 e de 2008-2009. Em resultado disso, países como a Índia, o Brasil, a África do Sul e a Indonésia têm vindo a ser atingidas pela redução das compras de activos - o chamado quantitative easing - da Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) - não apenas pelas inversões de fluxos de capital, mas também um forte declínio dos preços dos activos ao nível doméstico.
Vários desenvolvimentos no ano passado fizeram crescer as expectativas que a Fed iria começar a reduzir as suas compras mensais de 85 mil milhões de dólares, o seu programa ilimitado de compra de obrigações, mais cedo ou mais tarde. Isto fez subir as yields das obrigações do Governo norte-americano e reduziu o apetite por moedas de maior rendimento das economias de mercado emergentes. Em resultado disto, várias moedas destas economias, desde as rupias indianas até às liras turcas, caíram bruscamente.
Além disso, algumas economias de mercado emergentes experienciaram perturbações nos mercados financeiros e abrandamento do crescimento económico. Tais desenvolvimentos, frequentemente, conduzem a comportamentos económicos perversos à medida que os rumores e as previsões pessimistas começam a cumprir-se.
Tipicamente, depois de os investidores "descobrirem" uma economia de mercado emergente, esta recebe elevados influxos de capitais - que são, contudo, facilmente revertidos. O afluxo de liquidez serve de combustível para bolhas nos preços dos activos ao nível doméstico e "booms" em sectores relacionados com a economia real, aumentando a taxa de câmbio real o que, por sua vez, reduz os incentivos aos produtores domésticos.
Isto faz com que os investidores coloquem ainda mais dinheiro em sectores não transaccionáveis, como a construção e o imobiliário. O défice crescente da balança de transacções correntes é amplamente ignorado, desde que os influxos de capital continuem a surgir e o crescimento económico continue forte. A reanimação de curto prazo do mercado torna as coisas piores induzindo, frequentemente, as mais exuberâncias infundadas. E quando as autoridades reconhecem o problema, apressadamente anunciam medidas políticas - como controlos de capital - mas estas chegam, geralmente, tarde demais e podem ter efeitos adversos no curto prazo.
Os investidores, há muito encorajados para assumirem uma visão de curto prazo, podem ser surpreendidos por tais desenvolvimentos. Mas há poucas desculpas para justificar os falhanços dos políticos e investigadores em anteciparem a inversão recente dos fluxos de capitais. Acima de tudo, apesar da redução do programa de compras da Fed ter contribuído para estes eventos, muitas economias de mercado emergentes têm estado em situações difíceis há já algum tempo, como o crescimento do produto a desacelerar gradualmente e o investimento privado a cair.
Os "booms" económicos fomentados por liquidez não significam necessariamente uma melhoria nas condições de vida das pessoas, uma vez que os gastos públicos com infra-estruturas, cuidados de saúde, saneamento, educação e segurança social não crescem o suficiente para compensar as consequências adversas. Estas consequências incluem uma aceleração na inflação dos preços do consumidor (apesar do abrandamento do crescimento do PIB) e um agravamento do balanço externo à medida que a apreciação da moeda enfraquece o crescimento das exportações e alimenta o apetite por importações.
Muitos "booms" recentes nas economias de mercado emergentes envolveram o financiamento do consumo excessivo através de dívida e o investimento dependeu, sobretudo, dos influxos de capital de curto prazo. Para tornar as coisas piores, a euforia que acompanha as bolhas nos preços e no mercado imobiliário impulsionou a expansão do crédito para as empresas e para as famílias, com o crescimento da dívida privada e, em alguns casos, da dívida pública. E os défices da balança de transacções correntes são, cada vez mais, financiados por dinheiro "quente" proveniente do estrangeiro.
Há muito que se sabe que estas bolhas impulsionadas pelo crédito não são sustentáveis. Mas aqueles que alertaram para o iminente fracasso das economias de mercado emergentes foram rejeitados e considerados como "profetas da desgraça" que subestimavam o potencial destas economias. A marginalização da história económica no ensino de economia é agora uma ferramenta exigente.
Os factos são simples: as bolhas podem rebentar facilmente e rapidamente e controlar o pânico é virtualmente impossível. Quando os mercados viraram, muitas das políticas - e dos políticos que celebraram durante o "boom" começaram a fazer uma reformulação como se tratasse de uma luz opaca. O antigo presidente da Fed, Ben Bernanke, poderá ser culpado desta vez, mas o fracasso das economias de mercado emergentes pode ser facilmente desencadeado por qualquer coisa como uma pequena alteração nas condições mundiais, um soluço inesperado ou devido à instabilidade política doméstica. Mesmo as dificuldades económicas de um país vizinho podem ser suficientes para perfurar a bolha.
A crise resultante - reduz postos de trabalho e rendimentos - prejudica muitos espectadores inocentes, sendo que muitos dos quais não beneficiaram o suficiente com o "boom". Isto está já a acontecer em várias economias de mercado emergentes, tal como aconteceu muitas vezes em outros locais. Quantos mais episódios tem o mundo de suportar antes que seja reconhecido que estes desastres podem ser evitados?
© Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro
Jomo Kwame Sundaram é director-geral assistente e coordenador para o desenvolvimento económico e social Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).