Opinião
11 de Janeiro de 2011 às 11:50
Uma recuperação interrompida
Desde que em meados de 2009 houve uma recuperação face ao colapso do período de 2008-2009 - e em especial após a revelação dos enormes problemas de dívida pública na Grécia
Desde que em meados de 2009 houve uma recuperação face ao colapso do período de 2008-2009 - e em especial após a revelação dos enormes problemas de dívida pública na Grécia, Irlanda e em outros países da Europa - a maioria dos governos do G7 inverteram as anteriores medidas de luta contra a recessão económica. Com a importante excepção dos Estados Unidos, os líderes do G7 adoptaram, desde meados de 2010, urgentes medidas de consolidação orçamental, invertendo os esforços iniciais de recuperação e apelaram a medidas de austeridade para equilibrar os seus orçamentos, apesar da fraqueza, irregularidade e incerteza da recuperação económica.
É provável que a consolidação orçamental baseada em medidas de austeridade fracasse, porque é mais fácil de alcançar orçamentos públicos sustentáveis em períodos de forte crescimento económico. De facto, a lógica da consolidação orçamental exige que as economias que registaram fortes recuperações eliminem progressivamente as medidas de recuperação.
O abandono quase total das medidas de recuperação na maioria das economias desenvolvidas pressupõe que um crescimento económico mais forte na Ásia, à excepção do Japão, pode melhorar a trajectória actual da economia mundial. No entanto, é pouco provável que um desempenho mais forte das economias emergentes asiáticas seja suficiente para garantir uma forte recuperação da economia global. De facto, o provável abrandamento das economias do G7 poderá também colocar em perigo o crescimento dos mercados emergentes. Esta perspectiva tem sido ignorada, apesar dos avisos do Fundo Monetário Internacional, das Nações Unidos e de outras instituições.
Além disso, a mudança dos esforços de recuperação para a consolidação orçamental e, mais recentemente, para o reequilíbrio das contas correntes minou os esforços de recuperação iniciais do G20. Em vez disso, a generalização das acusações mútuas durante o ano de 2010, impediram a coordenação e cooperação política, principais factores do anterior sucesso do G20.
Os resultados das eleições intermédias nos Estados Unidos, no início do passado mês de Novembro, negaram à Administração Obama a opção de uma expansão orçamental. Em vez disso, a Reserva Federal norte-americana optou por uma segunda vaga de flexibilização monetária (QE2) no valor de 600 mil milhões de dólares. O QE2 não cria novo dinheiro. Isso só acontecerá se os bancos emprestarem dinheiro, o que até agora não tem acontecido. Em vez disso, o QE2 vai aumentar o excesso de reservas nos balanços dos bancos. Os principais críticos desta medida afirmam que ela apenas visa criar expectativas inflacionistas e, assim, encorajar a aquisição de activos mais arriscados, reduzindo as taxas de juros das Obrigações do Tesouro com maturidades mais elevadas (5-7 anos e 7-10 anos.)
Muitos observadores consideram o QE2 como um instrumento incapaz de alcançar os seus objectivos, apesar de poder ser uma forma de conseguir enfraquecer o dólar. A queda do dólar é vista por muitos como um meio para equilibrar os sucessivos défices comerciais dos Estados Unidos. Mas os críticos argumentam que o QE2 pode, em vez disso, encorajar mais investidores privados a deter dívida dos mercados emergentes, o que teria impacto na moeda via alterações do preço e não da quantidade de moeda. De facto, após uma queda inicial, o dólar voltou a ganhar terreno devido ao regresso do risco associado ao euro.
Tendo alcançado progressos limitados na tentativa de encorajar uma mais rápida apreciação do renminbi, os Estados Unidos tentaram limitar os excedentes das contas correntes, em especial na China. Compreensivelmente, a China resistiu, tendo com certeza em mente a relação entre a apreciação do iene no pós-1985 e o fim da expansão económica que se seguiu ao pós-guerra e que durou quatro décadas.
Há muito tempo que as Nações Unidas e outras instituições internacionais dão atenção aos desequilíbrios globais. No entanto, a crise não foi apenas desencadeada por estes desequilíbrios e reduzi-los não é, certamente a maior prioridade, dadas as perspectivas de estagnação económica na maioria dos países do G7 e as mais do que prováveis consequências adversas na economia mundial.
Os Estados Unidos desfrutam de um papel privilegiado no sistema monetário internacional como emissores da moeda de reserva mundial. Assim, o défice de conta corrente norte-americano não pode ser resolvido sem enfrentar outros problemas relacionados: em primeiro lugar, a falta de um acordo internacional sobre as divisa de reserva e, em segundo lugar, a evidente necessidade das economias emergentes com contas de capital liberalizadas de acumular reservas como protecção contra os instáveis fluxos de capital. Estas questões só podem ser resolvidas como reformas sistémicas de curto prazo, enquanto os esforços de recuperação económica devem continuar a ser a principal prioridade global no curto prazo.
Entretanto, chegar a acordo sobre as Novas normas bancárias de Basileia 3 em apenas três anos não deixa de ser louvável, especialmente tendo em consideração que Basileia 2 levou uma década a negociar. No entanto, Basileia 3 só, indirectamente, aborda o "sistema bancário sombra", apesar do seu papel que este teve para desencadear a crise e das ameaças futuras que representa para a estabilidade financeira.
Mais preocupante é que as normas de Basileia 3 mantêm, se é que não aprofundam, as regras de Basileia 2 contra os empréstimos aos países em desenvolvimento, como por exemplo, os que se destinam ao financiamento do comércio. Numa altura em que os países do G7 estão em apuros e em que se espera que os países emergentes apoiem, ou mesmo liderem, a recuperação global, trata-se de uma decisão assombrosamente limitada.
© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
É provável que a consolidação orçamental baseada em medidas de austeridade fracasse, porque é mais fácil de alcançar orçamentos públicos sustentáveis em períodos de forte crescimento económico. De facto, a lógica da consolidação orçamental exige que as economias que registaram fortes recuperações eliminem progressivamente as medidas de recuperação.
Além disso, a mudança dos esforços de recuperação para a consolidação orçamental e, mais recentemente, para o reequilíbrio das contas correntes minou os esforços de recuperação iniciais do G20. Em vez disso, a generalização das acusações mútuas durante o ano de 2010, impediram a coordenação e cooperação política, principais factores do anterior sucesso do G20.
Os resultados das eleições intermédias nos Estados Unidos, no início do passado mês de Novembro, negaram à Administração Obama a opção de uma expansão orçamental. Em vez disso, a Reserva Federal norte-americana optou por uma segunda vaga de flexibilização monetária (QE2) no valor de 600 mil milhões de dólares. O QE2 não cria novo dinheiro. Isso só acontecerá se os bancos emprestarem dinheiro, o que até agora não tem acontecido. Em vez disso, o QE2 vai aumentar o excesso de reservas nos balanços dos bancos. Os principais críticos desta medida afirmam que ela apenas visa criar expectativas inflacionistas e, assim, encorajar a aquisição de activos mais arriscados, reduzindo as taxas de juros das Obrigações do Tesouro com maturidades mais elevadas (5-7 anos e 7-10 anos.)
Muitos observadores consideram o QE2 como um instrumento incapaz de alcançar os seus objectivos, apesar de poder ser uma forma de conseguir enfraquecer o dólar. A queda do dólar é vista por muitos como um meio para equilibrar os sucessivos défices comerciais dos Estados Unidos. Mas os críticos argumentam que o QE2 pode, em vez disso, encorajar mais investidores privados a deter dívida dos mercados emergentes, o que teria impacto na moeda via alterações do preço e não da quantidade de moeda. De facto, após uma queda inicial, o dólar voltou a ganhar terreno devido ao regresso do risco associado ao euro.
Tendo alcançado progressos limitados na tentativa de encorajar uma mais rápida apreciação do renminbi, os Estados Unidos tentaram limitar os excedentes das contas correntes, em especial na China. Compreensivelmente, a China resistiu, tendo com certeza em mente a relação entre a apreciação do iene no pós-1985 e o fim da expansão económica que se seguiu ao pós-guerra e que durou quatro décadas.
Há muito tempo que as Nações Unidas e outras instituições internacionais dão atenção aos desequilíbrios globais. No entanto, a crise não foi apenas desencadeada por estes desequilíbrios e reduzi-los não é, certamente a maior prioridade, dadas as perspectivas de estagnação económica na maioria dos países do G7 e as mais do que prováveis consequências adversas na economia mundial.
Os Estados Unidos desfrutam de um papel privilegiado no sistema monetário internacional como emissores da moeda de reserva mundial. Assim, o défice de conta corrente norte-americano não pode ser resolvido sem enfrentar outros problemas relacionados: em primeiro lugar, a falta de um acordo internacional sobre as divisa de reserva e, em segundo lugar, a evidente necessidade das economias emergentes com contas de capital liberalizadas de acumular reservas como protecção contra os instáveis fluxos de capital. Estas questões só podem ser resolvidas como reformas sistémicas de curto prazo, enquanto os esforços de recuperação económica devem continuar a ser a principal prioridade global no curto prazo.
Entretanto, chegar a acordo sobre as Novas normas bancárias de Basileia 3 em apenas três anos não deixa de ser louvável, especialmente tendo em consideração que Basileia 2 levou uma década a negociar. No entanto, Basileia 3 só, indirectamente, aborda o "sistema bancário sombra", apesar do seu papel que este teve para desencadear a crise e das ameaças futuras que representa para a estabilidade financeira.
Mais preocupante é que as normas de Basileia 3 mantêm, se é que não aprofundam, as regras de Basileia 2 contra os empréstimos aos países em desenvolvimento, como por exemplo, os que se destinam ao financiamento do comércio. Numa altura em que os países do G7 estão em apuros e em que se espera que os países emergentes apoiem, ou mesmo liderem, a recuperação global, trata-se de uma decisão assombrosamente limitada.
Jomo Kwame Sundaram é assistente do Secretário-Geral das Nações Unidas para o desenvolvimento económico.
© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
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