Opinião
27 de Maio de 2012 às 23:30
Um novo acordo global
Tendo em conta a alarmante situação económica que muitos países vivem actualmente, sem perspectivas de recuperação no horizonte, é muito provável que a turbulência política aumente se os decisores políticos não alterarem as suas políticas.
Os recentes desenvolvimentos políticos, incluindo a derrota dos candidatos à reeleição em França e na Grécia, indicam que a tolerância da opinião pública para com as políticas económicas – que não conseguem reduzir a taxa de desemprego – entrou em colapso. De facto, tendo em conta a alarmante situação económica que muitos países vivem actualmente, sem perspectivas de recuperação no horizonte, é muito provável que a turbulência política aumente se os decisores políticos não alterarem as suas políticas.
Após vários anos de fraco crescimento do emprego e aumento da desigualdade nos países mais ricos do mundo, a crise económica eliminou mais de 50 milhões de postos de trabalho. Desde 2007, as taxas de emprego subiram em apenas seis das 36 economias avançadas, enquanto a taxa de desemprego entre os jovens aumentou na grande maioria dos países (avançados e emergentes).
No curto prazo, é provável que a crise global se agrave à medida que os governos, em especial nas economias avançadas, dão prioridade às duras medidas de austeridade orçamental e reformas laborais, mesmo que estas minem as condições de vida, os rendimentos e o tecido social das populações.
Entretanto, e apesar das medidas de flexibilização quantitativas, muitas empresas continuam a ter acesso limitado ao crédito, o que diminuiu o investimento e a criação de postos de trabalho. O crédito fácil que existia antes da crise financeira encorajou um sobreinvestimento em sectores como o imobiliário, considerados rentáveis. Não é surpresa que o consequente excesso de capacidade desencoraje agora o investimento privado na economia real.
Com a desigualdade e o desemprego a aumentar, o rendimento e os mercados domésticos a diminuir, todos esperam recuperar através das exportações – obviamente uma solução impossível. Aos países em desenvolvimento – durante muito tempo encorajados e mesmo obrigados a exportar e a abraçar a globalização – foi-lhes dito, de forma abrupta, para mudarem de curso: para produzirem para o mercado doméstico e importarem mais. A ironia é que este conselho só surgiu depois da maior parte da sua capacidade produtiva ter desaparecido.
Mas, ao terem sofrido crises cambiais e de conta corrente devido à sua abertura, muitas economias emergentes continuam a sentir-se obrigadas a acumular grandes quantidades de reservas para se protegerem de uma volatilidade financeira global. A globalização financeira não impulsionou o crescimento, mas exacerbou a volatilidade e a instabilidade. Entretanto, o "espaço político" nacional para a recuperação económica diminuiu desde o início da crise.
O investimento público e a protecção social podem ajudar a mudar o rumo das coisas, criando milhões de postos de trabalho. Mas, apesar de muitas evidências em contrário, o pressuposto de que o investimento público exclui o capital privado continua a desencorajar os esforços de recuperação económica liderado pelos Estados.
Historicamente, as economias mais avançadas têm vivido com défices orçamentais muito mais elevados do que os actuais e não apenas durante os períodos de guerra. Esses défices financiaram um crescimento económico forte, sustentável e inclusivo não só nas economias que os detinham, mas também em outras – exemplo disso é o plano Marshall norte-americano, tão importante para a reconstrução e recuperação das economias europeias no pós-guerra.
Actualmente, a utilização de enormes recursos financeiros para salvar determinadas instituições privadas consideradas demasiado grandes para cair provocaram um aumento dramático da dívida soberana, e levaram as autoridades a impor uma austeridade orçamental em deferência para com as exigências dos mercados da dívida. Os países da Zona Euro ficaram, assim, limitados não só por este fetiche orçamental, mas também pela sua falta de flexibilidade cambial.
Além disso, desde 2009 – ano em que tiveram lugar o G20 de Londres e de Pittsburgh – que a cooperação multilateral para a recuperação global é decepcionante. O Global Jobs Pact, por exemplo, registou poucos progressos desde essa altura. Nos últimos três anos, existiram poucas iniciativas no sentido de desenvolver e implementar uma estratégia que permita uma recuperação económica forte, sustentável e inclusiva. Em vez disso, temos assistido a um proteccionismo assustador e não apenas na frente comercial.
Assim, como é que o mundo pode escapar a um "cul-de-sac" alicerçado nas perspectivas de curto prazo dos mercados financeiros e das políticas eleitorais?
Apesar do multilateralismo ter sido afectado por vários desafios, incluindo a sua aparente confusão e progresso lento, continua, por diversas razões, a ser a melhor opção. O sistema das Nações Unidas deve ser mais ousado e poder desempenhar um papel mais importante.
Em 2009, depois de reconhecer que as forças de mercado, por si só, não iam gerar os investimentos necessários para mitigar os efeitos das alterações climáticas e tornar a nutrição acessível para todos, o secretário-geral das Nações Unidas Ban Ki-moon propôs um Global Green New Deal, que inclui parcerias público-privadas nas áreas das energias renováveis e da produção agrícola sustentável.
Com uma nova liderança francesa, o Fundo Monetário Internacional – após décadas a promover a liberalização e globalização económica (e em especial a financeira) – tornou-se mais cuidado, se não mesmo céptico, das suas análises, receitas e operações políticas. Da mesma forma, algumas das recentes iniciativas da Organização Internacional do Trabalho (ILO, sigla original) - Fair Globalization, Global Jobs Pact e Social Protection Floor – são relevantes para alterar a actual situação.
Única entre as organizações internacionais, a ILO inclui trabalhadores e patrões como parceiros sociais na sua governação tripartida, o que lhe permite liderar os difíceis processos necessários para uma recuperação e crescimento fortes, sustentáveis e inclusivos. Mais do que nunca, nas últimas décadas, as instituições multilaterais inclusivas estão no mesmo plano. Os seus esforços precisam, agora, do apoio que merecem.
Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
Após vários anos de fraco crescimento do emprego e aumento da desigualdade nos países mais ricos do mundo, a crise económica eliminou mais de 50 milhões de postos de trabalho. Desde 2007, as taxas de emprego subiram em apenas seis das 36 economias avançadas, enquanto a taxa de desemprego entre os jovens aumentou na grande maioria dos países (avançados e emergentes).
Entretanto, e apesar das medidas de flexibilização quantitativas, muitas empresas continuam a ter acesso limitado ao crédito, o que diminuiu o investimento e a criação de postos de trabalho. O crédito fácil que existia antes da crise financeira encorajou um sobreinvestimento em sectores como o imobiliário, considerados rentáveis. Não é surpresa que o consequente excesso de capacidade desencoraje agora o investimento privado na economia real.
Com a desigualdade e o desemprego a aumentar, o rendimento e os mercados domésticos a diminuir, todos esperam recuperar através das exportações – obviamente uma solução impossível. Aos países em desenvolvimento – durante muito tempo encorajados e mesmo obrigados a exportar e a abraçar a globalização – foi-lhes dito, de forma abrupta, para mudarem de curso: para produzirem para o mercado doméstico e importarem mais. A ironia é que este conselho só surgiu depois da maior parte da sua capacidade produtiva ter desaparecido.
Mas, ao terem sofrido crises cambiais e de conta corrente devido à sua abertura, muitas economias emergentes continuam a sentir-se obrigadas a acumular grandes quantidades de reservas para se protegerem de uma volatilidade financeira global. A globalização financeira não impulsionou o crescimento, mas exacerbou a volatilidade e a instabilidade. Entretanto, o "espaço político" nacional para a recuperação económica diminuiu desde o início da crise.
O investimento público e a protecção social podem ajudar a mudar o rumo das coisas, criando milhões de postos de trabalho. Mas, apesar de muitas evidências em contrário, o pressuposto de que o investimento público exclui o capital privado continua a desencorajar os esforços de recuperação económica liderado pelos Estados.
Historicamente, as economias mais avançadas têm vivido com défices orçamentais muito mais elevados do que os actuais e não apenas durante os períodos de guerra. Esses défices financiaram um crescimento económico forte, sustentável e inclusivo não só nas economias que os detinham, mas também em outras – exemplo disso é o plano Marshall norte-americano, tão importante para a reconstrução e recuperação das economias europeias no pós-guerra.
Actualmente, a utilização de enormes recursos financeiros para salvar determinadas instituições privadas consideradas demasiado grandes para cair provocaram um aumento dramático da dívida soberana, e levaram as autoridades a impor uma austeridade orçamental em deferência para com as exigências dos mercados da dívida. Os países da Zona Euro ficaram, assim, limitados não só por este fetiche orçamental, mas também pela sua falta de flexibilidade cambial.
Além disso, desde 2009 – ano em que tiveram lugar o G20 de Londres e de Pittsburgh – que a cooperação multilateral para a recuperação global é decepcionante. O Global Jobs Pact, por exemplo, registou poucos progressos desde essa altura. Nos últimos três anos, existiram poucas iniciativas no sentido de desenvolver e implementar uma estratégia que permita uma recuperação económica forte, sustentável e inclusiva. Em vez disso, temos assistido a um proteccionismo assustador e não apenas na frente comercial.
Assim, como é que o mundo pode escapar a um "cul-de-sac" alicerçado nas perspectivas de curto prazo dos mercados financeiros e das políticas eleitorais?
Apesar do multilateralismo ter sido afectado por vários desafios, incluindo a sua aparente confusão e progresso lento, continua, por diversas razões, a ser a melhor opção. O sistema das Nações Unidas deve ser mais ousado e poder desempenhar um papel mais importante.
Em 2009, depois de reconhecer que as forças de mercado, por si só, não iam gerar os investimentos necessários para mitigar os efeitos das alterações climáticas e tornar a nutrição acessível para todos, o secretário-geral das Nações Unidas Ban Ki-moon propôs um Global Green New Deal, que inclui parcerias público-privadas nas áreas das energias renováveis e da produção agrícola sustentável.
Com uma nova liderança francesa, o Fundo Monetário Internacional – após décadas a promover a liberalização e globalização económica (e em especial a financeira) – tornou-se mais cuidado, se não mesmo céptico, das suas análises, receitas e operações políticas. Da mesma forma, algumas das recentes iniciativas da Organização Internacional do Trabalho (ILO, sigla original) - Fair Globalization, Global Jobs Pact e Social Protection Floor – são relevantes para alterar a actual situação.
Única entre as organizações internacionais, a ILO inclui trabalhadores e patrões como parceiros sociais na sua governação tripartida, o que lhe permite liderar os difíceis processos necessários para uma recuperação e crescimento fortes, sustentáveis e inclusivos. Mais do que nunca, nas últimas décadas, as instituições multilaterais inclusivas estão no mesmo plano. Os seus esforços precisam, agora, do apoio que merecem.
Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
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