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O regresso dos receios alimentares

A falta de alimentos, raramente, é a razão para as pessoas terem fome.

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Actualmente, o mundo produz alimentos suficientes para alimentar toda a população. O problema é que cada vez mais e mais pessoas não conseguem comprar os alimentos de que precisam. Mesmo antes da recente subida dos preços dos alimentos, mil milhões de pessoas estavam a sofrer de fome crónica, enquanto outros dois mil milhões sofriam de má nutrição, elevando para três mil milhões o número de pessoas que não conseguem ter acesso aos alimentos de que necessitam, ou seja, quase metade da população mundial.

Os preços dos alimentos, a nível mundial, estão no nível mais elevado desde que começaram a ser monitorizados pela FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura. O Banco Mundial estima que a recente subida dos preços tenha deixado mais 44 milhões de pessoas dos países em desenvolvimento na pobreza.

A rápida subida dos preços mundiais de todas as colheitas alimentares básicas - milho, trigo, soja e arroz - juntamente com outros alimentos como óleos alimentares tem sido devastadora para as famílias mais pobres por todo o mundo. Mas esta subida afectou os padrões de vida de todas as pessoas. As famílias de classe média estão cada vez mais cautelosas com as suas compras; as classes mais baixas estão a perder os progressos alcançados e a ficar abaixo da linha de pobreza; sem surpresa, os pobres e vulneráveis estão a sofrer ainda mais.

A produção alimentar registou um aumento significativo, entre os anos 60 e 70, com a procura pela segurança alimentar e a Revolução Verde, tendo beneficiado de uma considerável apoio governamental e internacional. Mas desde os anos 80, os especialistas em agricultura alertaram para os riscos de aumentar a produção alimentar.

À medida que a oferta alimentar abrandava, a procura continuava a subir, devido não apenas ao aumento da população mas também devido ao aumento da utilização de colheitas alimentares para alimentar o gado. Este problema é exacerbado pela queda significativa do apoio oficial ao desenvolvimento da agricultura nos países em desenvolvimento. Os apoios à agricultura caíram em mais de metade entre 1980 e 2004. Nesse período, os empréstimos do Banco Mundial para a agricultura caíram de 7,7 mil milhões de dólares, em 1980, para dois mil milhões em 2004.

A pesquisa e desenvolvimento agrícola - necessária para melhorar a produtividade das colheitas - caiu em todos os países em desenvolvimento. Entretanto, os gastos do sector privado em pesquisa superam largamente o de todos os institutos de pesquisa agrícola públicos.

Nos países em desenvolvimento, os governos pararam também de subsidiar os agricultores e de estar envolvidos no "marketing", armazenamento e transporte de alimentos e na concessão de créditos. Entretanto, os países ricos continuam a subsidiar e a proteger os seus agricultores, afectando a produção alimentar nos países em desenvolvimento.

O Banco Mundial e a Organização Mundial de Comércio continuam a defender que um aumento da liberalização do comércio agrícola é a melhor solução de médio prazo. Desde os anos 80, os governos têm sido pressionados para promover as exportações e importar bens alimentares. Como resultado, muitos países pobres recorreram aos mercados mundiais para comprar arroz e trigo barato, em vez de apostarem na produção própria.

Alguns países e regiões que antes eram auto-suficientes em produtos alimentares, têm agora que importar grandes quantidades de alimentos. Isto provocou um aumento dos preços dos alimentos, aumentando ainda mais a angústia das pessoas mais pobres.

Outros factores contribuíram para a crise alimentar. As alterações climáticas, resultantes do aumento das emissões de gases poluentes, exacerbaram os problemas com o fornecimento de água, aceleraram a desertificação e pioraram a imprevisibilidade e severidade dos eventos meteorológicos. Todos estes factores afectaram a agricultura em todo o mundo. A desflorestação, a pressão do crescimento da população, a urbanização, a erosão dos solos, o excesso de pesca, e o impacto do domínio externo no "marketing", no material utilizado no processo de produção, no processamento e mesmo na agricultura também tiveram um papel nesta crise alimentar.

A subida dos preços do petróleo está também a afectar o preço dos alimentos. A agricultura comercial usa petróleo e gás para operar maquinaria, transportar os bens alimentares e produzir químicos agrícolas necessários para produzir fertilizantes e pesticidas.

Além disso, as colheitas alimentares são, cada vez mais, usadas para produzir biocombustíveis, reduzindo a sua disponibilidade para o consumo humano. Os países ricos têm concedido subsídios generosos e outros incentivos para aumentar a produção biocombustíveis, enquanto os países pobres que encorajaram a produção de biocombustíveis forneceram muito menos incentivos aos agricultores.

Certamente, alguns biocombustíveis são muito mais custo e energeticamente eficientes do que outros, enquanto diferentes "stocks" de biocombustíveis têm custos de oportunidade muito diferentes (por exemplo, o preço do açúcar não registou um aumento significativo). Assim, o debate sobre os biocombustíveis precisa de ser aprofundado.

A especulação também tem contribuído para a subida dos preços dos alimentos. Nos últimos anos, a securitização, a facilidade de transacções "online" e outros desenvolvimentos dos mercados financeiros facilitaram os investimentos especulativos, em especial nos futuros de matérias-primas e no mercado de opções.

Com o agravar da crise financeira no final de 2007, os especuladores começaram a investir em matérias-primas. Este investimento foi, também, impulsionado pela queda do dólar face às outras moedas. De facto, isto pode explicar melhor as recentes subidas dos preços dos alimentos do que os factores na subida de longo prazo.

Nesse caso, o problema que muitas pessoas enfrentam actualmente é de segurança alimentar e não de falta de alimentos. Mas como é óbvio, para alguém com fome ou mal nutrido, em resultado da subida dos preços dos alimentos, esta distinção não faz a menor diferença.


Jomo Kwame Sundaram é membros das Nações Unidas para o Desenvolvimento Económico.



© Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques




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