Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
25 de Maio de 2015 às 20:00

Os julgamentos das democracias asiáticas

É altura para serem feitos julgamentos – literalmente nos tribunais – a um número crescente de democracias asiáticas. A lista de grandes líderes políticos nacionais na região que enfrentaram, ou estão prestes a enfrentar, acusações criminais cresceu tanto que é plausível duvidar se a própria democracia pode sobreviver em vários destes países.

  • ...

Talvez as alegações mais graves tenham sido as dirigidas à líder da oposição no Bangladesh, Khaleda Zia, que foi acusada de homicídio num caso com muitos anos. O antigo primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, que perdeu o poder há menos de um ano, está a ser questionado pelos procuradores por ligações à alegada corrupção no processo de privatização de minas de carvão detidas pelo Estado. Na sequência de um golpe militar que removeu o seu governo democraticamente eleito, a antiga primeira-ministra da Tailândia, Yingluck Shinawatra, enfrenta acusações relativas a ilegalidades na atribuição de subsídios para a produção de arroz.

 

Depois temos a longa saga do líder da oposição e antigo vice-primeiro-ministro da Malásia, Anwar Ibrahim. A sua condenação pelas acusações de sodomia vai bani-lo efectivamente da política durante cinco anos, numa altura em que a oposição apresenta o mais sério desafio à decisão da Malásia sobre uma Organização Nacional da Malásia Unida (UNMO, na sigla em inglês) desde que o país conquistou a independência face ao império britânico em 1958. Além disso, a filha de Anwar foi entretanto detida por questionar a integridade do julgamento do seu pai num discurso proferido no parlamento malaio, para o qual ela foi eleita membro de pleno direito.

 

Cada um destes julgamentos com dedo político tem diferentes origens, claro. E cada um deles foi ou será conduzido em sistemas judiciais que variam muito no que concerne ao seu desenvolvimento e independência. Ainda que todos eles tenham colocado em causa, em diferentes níveis, o Estado de direito e a perspectiva de um futuro democrático em cada um destes países.

 

O interrogatório de Singh pelos procuradores do Estado é talvez o caso menos preocupante, porque a democracia da Índia é muito sólida e a sua magistratura é terrivelmente zelosa da sua independência. Os seus apoiantes internos e externos não devem ter receio em relação aos seus direitos, ou o seu caso pode tornar-se numa espécie de jogo político para manter na mó de baixo o partido da oposição. Na verdade, o politicamente perspicaz primeiro-ministro Narendra Modi é demasiado esperto para sequer contemplar uma tentativa de distorção das investigações sobre Singh para ganhos partidários.

 

Infelizmente, a fidelidade à independência judicial e ao Estado de direito não pode ser garantida de forma tão vincada nos outros casos. O Bangladesh, a quarta maior democracia mundial muçulmana, tem um registo histórico desigual a este respeito, sugerindo uma oportunidade para uma intervenção política no caso contra Zia, nem que seja pela vontade dos oficiais de obter favorecimentos da parte da primeira-ministra Sheikh Hasina.

 

Na verdade, a mútua aversão entre as duas líderes é antiga e lendária. Cada uma delas foi primeira-ministra, e ambas pensaram, enquanto estavam no gabinete, utilizar os tribunais para manter os opositores longe do poder, até mesmo fora da política – aparentemente sem qualquer respeito pelo custo. As acusações de homicídio levantadas contra Zia já deram origem a protestos, e podem incitar distúrbios civis massivos se o julgamento acabar por ocorrer, colocando em perigo o sucesso económico que o país alcançou durante a governação de Hasina. E, mesmo assim, os procuradores públicos, que respondem perante a primeira-ministra, estão a pressionar no sentido de avançar com o caso.

 

Ao iminente julgamento de Shinawatra na Tailândia e à sentença reiterada de Ibrahim na Malásia, falta até mesmo a "folha de figueira" (fig leaf) da independência judicial. O derrube de Shinawatra pelos militares foi claramente uma iniciativa promovida pelos generais do país para acabar, pela força, com o bloqueio eleitoral que ela e o seu irmão, Thaksin Shinawatra – ele próprio um antigo primeiro-ministro que foi deposto por um golpe militar em 2006 – mantiveram na Tailândia durante quase 15 anos.

 

Portanto agora os generais e os seus aliados na elite de Bangkok parecem determinados em fazer andar o relógio para trás; O iminente julgamento de Yingluck parece ser um sinal de que a popularidade de Thaksins não contempla governar mediante algo mais do que uma democracia "controlada" na Tailândia. Mas a actual quietude das forças pró-Thaksin não deveriam encorajar ninguém a pensar que os militares podem suprimir a democracia tailandesa para sempre, sem nenhuma luta.

 

Infelizmente, a Malásia pode brevemente tornar-se propensa ao mesmo tipo de protestos violentos e declínio económico que amarraram a Tailândia nos anos mais recentes. Parece claro que foi permitido aos interesses políticos da UNMO ditar que o líder-chave da oposição no país deva ser julgado com base em acusações que nenhuma democracia que abrace o Estado de direito sequer consideraria levantar, e condenado com base em provas que nenhum tribunal verdadeiramente independente aceitaria como boas.

Os líderes políticos na Tailândia e Malásia, e noutros países da região, defendem o modelo inaugurado pelo fundador e líder de longa data de Singapura, Lee Kuan Yew, que morreu no mês passado. Ainda que o percurso em que ambos os países embarcaram não seja o mesmo que aquele seguido por Lee. O sistema de Lee permitiu-lhe manter-se no poder durante 31 anos, e ele recorreu aos tribunais civis – não criminais – para penalizar os seus oponentes. Mas mais importante, Lee confiou em elementos de contestação democrática para assegurar que a meritocracia triunfava sobre o clientelismo.

 

Esta fórmula apoiou a rápida consolidação do bom governo, baseado em padrões rigorosos de uma conduta oficial que limitava o poder arbitrário da elite. Parece pouco plausível que colocar um opositor na doca criminal possa produzir um resultado similar.

 

Yuriko Koike, antiga ministra da Defesa do Japão e conselheira para a Segurança Nacional, foi presidente do Partido Liberal Democrata do Japão e é actualmente deputada no parlamento japonês.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org 

Tradução: David Santiago

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio