Opinião
O regresso da cidade comercial
Recentemente, um grupo de responsáveis reuniu-se para traçar uma nova estratégia comercial. Foi uma discussão de política comercial comum: os participantes diagnosticaram sectores exportadores competitivos, identificaram os principais parceiros comerciais, descreveram como o investimento público e privado poderia resolver barreiras para a integração global, e forjaram uma nova relação bilateral.
Mas a reunião não foi organizada pelo Banco Mundial nem pela Organização Mundial do Comércio em Washington, DC. Foi realizada em Portland, Oregon, onde o prefeito Sam Adams e a Greater Portland, Inc. (uma parceria público-privada dedicada a impulsionar o crescimento económico regional e a criação de emprego) têm colaborado para desenvolver e implementar um novo plano de exportações para a área metropolitana de Portland.
Na era da Organização Mundial do Comércio, dos acordos de livre comércio, e das guerras cambiais, porque é que uma cidade tem uma estratégia comercial? A resposta é simples: a iniciativa de Portland reconhece que as cidades, e não os países, são os verdadeiros centros de comércio global.
Há mais de 2.000 anos atrás, antes do surgimento do Estado-nação, a Rota da Seda ligava Xi’an, Bagdade, Istambul, e centenas de outras cidades através do comércio. Na Idade Média, Zanzibar e outras cidades do Leste Africano serviram como centros comerciais para os mercadores asiáticos. E a Liga Hanseática, uma confederação de cidades mercantis, facilitou o comércio entre as cidades costeiras da Europa, entre os séculos XIII e XVII.
As cidades unem as pessoas que procuram um espaço comum para a troca de bens, serviços e informações. Em meados do século XVIII, Adam Smith observou que nas pouco povoadas Terras Altas, na Escócia, "cada agricultor deve ser talhante, padeiro e fabricante de cerveja da sua própria família". Mas as cidades, observou ele, permitem a divisão e especialização do trabalho, permitindo que as pessoas comercializem o que não consomem.
Da mesma forma, no século XIX, o economista inglês Alfred Marshall descreveu como as cidades são realmente "economias de aglomeração", que reúnem a infra-estrutura, os trabalhadores, e as informações necessárias para promover a inovação e o comércio. E, em 2008, Paul Krugman recebeu o Prémio Nobel pelo seu trabalho que explicava como, face ao aumento de capital e da mobilidade do trabalho, as áreas metropolitanas permanecem nós cruciais para o comércio.
Em suma, as cidades tornam o comércio possível. Mas os Estados Unidos e outras economias avançadas têm negligenciado este facto na concepção de políticas comerciais, favorecendo instrumentos cegos como a política fiscal e monetária, em detrimento das abordagens ascendentes que apoiam as vantagens comparativas das cidades e regiões nos mercados globais. Por outro lado, a China considera a cidade um aspecto crucial da sua política de exportações.
Além disso, os responsáveis políticos locais esquecem, muitas vezes, que o comércio aumenta a prosperidade dos moradores da cidade, trazendo nova riqueza que, por sua vez, contribui para a criação de emprego e para o aumento da procura de serviços na economia local. Nas últimas décadas, muitas cidades americanas têm dependido de projectos de vaidade - como estádios, casinos, centros de convenções e centros comerciais - para estimular o crescimento económico. Mas, enquanto tais projectos podem atrair uma receita limitada de fora da cidade, são mais propensos a fazer circular o dinheiro local. Ao mesmo tempo, não conseguem capitalizar a crescente procura nos mercados globais – pela qual o crescimento das cidades dos mercados emergentes é o grande responsável.
Segundo o recente relatório do Brookings Institution, "Global MetroMonitor", as 300 maiores cidades e economias metropolitanas em todo o mundo compreendem apenas 19% da população mundial, mas são responsáveis por 48% do PIB mundial e 51% do recente crescimento do PIB. As cidades dos países em desenvolvimento foram responsáveis por 24% do crescimento global em 2012, o que compara com 20% em 2007. Uma vez que a maioria da população mundial vive em áreas urbanas, o potencial das cidades como motores da economia mundial é maior do que nunca.
A ideia evolutiva da "cidade global", cunhada há duas décadas pelo sociólogo Saskia Sassen, demonstra a posição crucial da cidade no comércio global. Embora a denominação fosse inicialmente atribuída a apenas três centros financeiros mundiais - Nova Iorque, Londres e Tóquio - Sassen identifica agora 75 cidades - incluindo São Paulo, Buenos Aires, Seul e Taipei - como cidades globais.
Mas o sector financeiro, por si só, não faz uma cidade "global". Centros industriais (Detroit, Estugarda), meios universitários (Boston, Nanjing), actividades marítimas (Antuérpia, Singapura) e meios de comunicação (Madrid, Sydney), todos os sectores participam em influentes circuitos globais, definidos por aquilo comercializam.
Isto não quer dizer que os países não têm um papel crucial no comércio global. As cidades não têm escala geográfica, capacidade política e fiscal, e legitimidade para influenciar os debates políticos mais amplos ou para capitalizar todas as oportunidades comerciais disponíveis. Portland forjou uma nova relação com uma empresa de "tecnologia limpa" em São Paulo, mas não conseguiu negociar um acordo de livre-comércio com a cidade ou com o Brasil.
Tal como o comércio deve estar na vanguarda das políticas económicas das cidades, as cidades devem estar na vanguarda das estratégias comerciais nacionais. Os países devem apoiar as cidades que investem, organizam, e estabelecem ligações com outras cidades para melhorar a sua posição competitiva.
Em San Antonio, Texas, os líderes locais transformaram uma antiga base militar num porto interior, criando um corredor através do qual flui mais de metade do comércio Estados Unidos-México. No Rio de Janeiro, uma nova parceria público-privada está a superar as tensas relações com os órgãos estaduais, a fim de atrair o investimento estrangeiro. E a Cidade de São Francisco tem capitalizado os laços de longa data da região com a China para promover o desenvolvimento económico da área da baía de São Francisco, Pequim, Hangzhou e Xangai.
O comércio mundial não é agradável; é altamente competitivo, e os responsáveis políticos devem ter em conta os custos de curto prazo que rotineiramente impõe sobre pessoas e lugares. Mas o comércio global também oferece um caminho para a prosperidade a longo prazo - que é executado directamente através das cidades. Dois milénios após a abertura da Rota da Seda, uma rede global de cidades comerciais está a começar a ressurgir. A política comercial local e nacional deve apontar para o avanço deste processo.
© Project Syndicate, 2012.
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Tradução: Rita Faria