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11 de Maio de 2014 às 20:17

A internet da energia

No Brasil, as renováveis representam cerca de 60% do consumo de energia e mais de 99% da população tem agora acesso a electricidade, devido ao programa "luz para todos" levado a cabo no país. O Gana, a África do Sul e o Vietname deram também grandes saltos nestas áreas.

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Nos próximos 20 anos, perto de três mil milhões de pessoas passarão a fazer parte da classe média, impulsionando a procura mundial por mais e melhores habitações, televisores, automóveis, alimentos, água, energia e um sem número de outros bens e serviços. No entanto, com a crescente pressão sobre os recursos do planeta, atender a esta procura pode provocar enormes custos ambientais, desde a poluição até ao aquecimento global. Como pode então o mundo sustentar o desenvolvimento económico e reduzir a pobreza sem alimentar uma catástrofe?

 

A resposta a esta pergunta está no centro da chamada "Terceira Revolução Industrial", que procura integrar as fontes de energia renovável com a ligação à Internet, desenvolver tecnologia de produção digital e apoiar a indústria verde. Por outras palavras, o objectivo é alcançar um nível sustentável de produção e consumo.

 

Segundo Jeremy Rifkin, o principal arquitecto desta estratégia, as revoluções industriais são fomentadas pela convergência das transformações no tipo e disponibilidade de energia e pela forma como as pessoas se ligam e partilham informação. A primeira Revolução Industrial foi motivada pelo carvão e pela máquina a vapor. Conjugada com a imprensa escrita; a segunda foi alimentada pela electricidade centralizada e pelo motor de combustão interna alimentado a petróleo, de par com o telefone, o rádio e a televisão.

 

Na opinião de Rifkin, a terceira Revolução Industrial é uma oportunidade de criar uma "Internet da energia" - uma rede de energia e informação inteligente, responsável e descentralizada que criará milhões de empregos em todo o mundo e ajudará a erradicar a pobreza energética. Uma rede destas seria baseada em fluxos multidireccionais de energia renovável, suportados pela revolução digital e pela ascensão dos grandes arquivos de dados.

 

No entanto, de acordo com um recente relatório do Conselho Mundial de Energia, se os governos e o sector privado não intensificarem de forma substancial os seus esforços, acabar com a pobreza energética poderá demorar mais 60 a 70 anos. Além disso, as emissões globais de CO2 atingiram um máximo histórico em 2012. E a Agência Internacional da Energia relata que as temperaturas globais estão a caminho de aumentar entre 3,6 a 5,3 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais - muito mais do que os dois graus que os climatólogos identificaram como o limiar a partir do qual poderão desencadear-se alterações climáticas com consequências desastrosas.

 

Claramente, a terceira Revolução Industrial precisa de ajuda. Para se acelerar o ritmo da inovação associada à energia, há que criar coligações criativas entre governos, empresas privadas e grupos da sociedade civil em três grandes áreas.

 

A primeira coligação, composta por um grupo de governos empenhados, procuraria fazer baixar - no prazo de uma década - o preço da energia renovável, pelo menos para o patamar do preço da energia proveniente dos combustíveis fósseis. De facto, as inovações nos Estados Unidos, Alemanha, Japão e China já facilitaram uma redução de 70%-80% no custo da produção de energia solar fotovoltaica nos últimos cinco anos. Mas muito mais pode ser feito para assegurar que os custos continuarão a diminuir e que a energia solar está acessível em todos os países.

 

A título de exemplo, David King, o embaixador britânico para o clima, e o economista Richard Layard, apelaram a um maior investimento na tecnologia da energia solar. Eles sublinham que os países do G-20 são capazes de "igualar os gastos no projecto Apollo", que permitiu missões tripuladas até à lua há quatro décadas, se contribuírem apenas com 0,05% do seu PIB anual durante 10 anos.

 

A segunda coligação deveria ser composta por um grupo de países - em especial os 23 membros do fórum global Clean Energy Ministerial (CEM), que representam cerca de 80% da procura mundial de energia, 80% das emissões de gases com efeito de estufa e 90% dos investimentos em energias limpas - que concordem em duplicar a taxa de eficiência energética das suas economias. Agindo em conjunto, esses países poderiam fazer uma grande diferença com iniciativas relativamente modestas.

 

Transitar para as lâmpadas de poupança de energia, por exemplo, pode reduzir até 15% o consumo total de electricidade num lar e pode poupar à Europa 40 mil milhões de kilowatts por hora - um número que é quase equivalente ao actual consumo anual da Roménia. De par com uma maior cooperação em matéria de inovação tecnológica e com uma série de princípios definidos que possam ser traduzidos em medidas nacionais equiparadas, isto aumentaria a procura de eficiência energética e de tecnologias renováveis, fazendo com que os custos diminuíssem ainda mais.

 

A reunião do CEM em Seul, neste mês de Maio, constitui uma oportunidade ideal para definir uma agenda firme, incluindo metas claras para a iluminação de rua a LED, utilização de energia comercial, sistemas de transportes e edifícios energeticamente eficientes e adopção de veículos energeticamente eficientes, bem como biocombustíveis. Para fomentar a confiança, a adesão à coligação como membro estaria condicionada aos progressos, avaliados segundo requisitos de divulgação anual, com recompensas para os que tivessem os melhores desempenhos.

 

A terceira coligação deveria ser composta por países em desenvolvimento que aproveitassem os ganhos de segurança energética, equidade e sustentabilidade para darem grandes saltos em direcção às novas vias energéticas, tal como aproveitaram a telefonia móvel. Para tal, só em 2012 a China investiu 67 mil milhões de dólares em energia renovável e a Arábia Saudita visa garantir que as renováveis atinjam 30% do seu consumo total de energia até 2032.

 

Da mesma forma, no Brasil, as renováveis representam cerca de 60% do consumo de energia e mais de 99% da população tem agora acesso a electricidade, devido ao programa "luz para todos" levado a cabo no país. O Gana, a África do Sul e o Vietname deram também grandes saltos nestas áreas. Estes países devem servir de modelo para os outros, especialmente em África e no Sul da Ásia, que é onde vive o maior número de pessoas pobres em energia.

 

Esta coligação deveria ser liderada pelas grandes economias emergentes (Brasil, África do Sul, Índia e China), que em 2012 representavam entre 40% a 50% dos 244 mil milhões de dólares investidos em energias renováveis. Estes países adaptaram ao uso interno as tecnologias relevantes e adaptaram-nas a um contexto de país em desenvolvimento (equilibrando o fornecimento de energia para os pobres com a necessidade de electricidade para o crescimento industrial e criação de riqueza). Agora têm de trabalhar em conjunto para separarem as actividades do sector da energia, reformarem a governação das suas empresas públicas de electricidade no sentido de impulsionar a transparência e rentabilidade, criarem instituições reguladoras robustas e implementarem políticas de longo prazo para captarem investimento relevante.

 

Essa cooperação Sul-Sul - apoiada pelos progressos tecnológicos da Alemanha, Noruega e Dinamarca - pode ajudar outros países em desenvolvimento a aderirem à Internet da energia. E todas estas coligações devem inspirar a comunidade internacional mais vasta no sentido de adoptar medidas similares para avançar para a terceira Revolução Industrial.

 

Kandeh K. Yumkella, que foi director-geral da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial, é o representante especial do Secretariado Geral da ONU no programa Energia Sustentável para Todos, e preside à Iniciativa Energia Sustentável para Todos. 

 

© Project Syndicate, 2014.

www.project-syndicate.org

Tradução: Carla Pedro

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