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14 de Abril de 2015 às 20:00

Como combater a manipulação cambial

É apropriado usar acordos comerciais para desencorajar os países a recorrerem a intervenções de larga escala no mercado de câmbio, de modo a manter o valor das suas moedas? Essa é a questão fundamental nos círculos da política económica norte-americana.

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Nos últimos anos, Japão, Coreia do Sul e China manipularam as suas moedas para mantê-las subvalorizadas. Isto impulsionou as suas exportações, limitou as importações e levou a enormes excedentes da conta corrente. Mas essas intervenções afectam inversamente os parceiros comerciais e são barradas pelas actuais regras internacionais. Infelizmente, essas regras foram completamente ineficazes.

 

Agora, uma nova oportunidade para combater o problema emergiu: a Parceria Trans-Pacífico (TPP, na sigla anglo-saxónica) – o acordo de livre comércio mega-regional envolvendo os Estados Unidos, Japão e dez outros países na América Latina e Ásia. Com a TPP quase concluída, Coreia do Sul e China estão a olhar atentamente e outros países poderão querer juntar-se.

 

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, argumenta, correctamente, que esta é a ocasião de definir regras para o comércio e investir no século XXI. Ainda assim, o Departamento do Tesouro e o Representante Comercial dos Estados Unidos recusam firmemente incluir qualquer linguagem que proíba a manipulação cambial na TPP, devido a cinco grandes razões – nenhuma das quais corresponde aos factos.

 

O primeiro argumento é que o Fundo Monetário Internacional (FMI) consegue lidar com casos de manipulação comercial. O FMI tem orientações actualizadas que definem e procuram prevenir a manipulação cambial. Estas foram adoptadas não apenas com o parecer favorável dos Estados Unidos, mas com a sua insistência, numa altura (meados de 2000) em que o renminbi chinês estava muito desvalorizado, contribuindo para a perda de milhões de empregos industriais norte-americanos. 

 

Infelizmente, o FMI não consegue impor as suas orientações, uma vez que os manipuladores cambiais podem travar a acção. Este tem sido o padrão entrincheirado e contínuo, incluindo quando eu era o economista-chefe do FMI (desde o início de 2007 a Agosto de 2008).

O segundo argumento dado pelo Tesouro dos Estados Unidos e pelo Representante do Comércio é que não podem ser negociadas regras cambiais suficientemente precisas. Mas não há nada de errado com as orientações do FMI - tanto a versão de 2007 como a de 2012 -, negociadas pelo próprio Tesouro.

Com isto em mente, o congressista Sander Levin - o democrata sénior no Ways and Means Committee da Câmara dos Representante, que tem jurisdição sobre o comércio internacional - propõe que o capítulo cambial da TPP seja baseado nas orientações do FMI. Estas orientações identificam quando um país, apesar de registar um grande excedente da conta corrente, está a comprar activos estrangeiros em larga escala e num longo período de tempo, impedindo, assim, a apreciação cambial - exactamente o problema que queremos evitar (trabalhei com o Levin em alguns destes temas, mas aqui falo apenas por mim).

O terceiro argumento em relação às provisões anti-manipulação na TPP é que colocariam em perigo a capacidade de os Estados Unidos implementarem estímulos monetários. Mas isto reflecte uma completa incompreensão da questão. Um capítulo cambial bem-delineado na TPP não impediria a independência monetária dos Estados Unidos.

A política monetária convencional opera ao alterar as taxas de juro de curto prazo, o que inclui o banco central comprar e vender dívida soberana de curto prazo. Nenhuma intervenção no mercado cambial - compra e venda de moeda estrangeira - está envolvida.

De igual modo, o alívio quantitativo (QE, na sigla anglo-saxónica), que tem definido a política monetária de muitos dos principais bancos centrais mundiais nos últimos anos, não inclui a compra ou venda de activos estrangeiros. Sob o QE, a Reserva Federal compra - e anuncia que irá comprar - activos. A única diferença é que estes activos são instrumentos de dívida soberana norte-americana de longo prazo e diversos tipos de títulos garantidos por hipotecas, todos denominados em dólares norte-americanos.

O quarto argumento é que nenhum grande país está actualmente a manipular a taxa de câmbio (o renminbi valorizou desde meados de 2000), por isso não há nada com que se preocupar. Mas também não há nada que impeça a China, ou outro país, de retomar as intervenções de larga-escala no mercado cambial, se e quando o decidir. E a actual falta de tensão diplomática em torno das taxas de câmbio faz desta uma boa altura para referir o tema.

A última razão apontada em apoio à exclusão do capítulo cambial da TPP é que os países a negociar o acordo nunca concordaram. Mas este argumento não se mantém firme, quando os países em questão são examinados um a um.

Canadá, Austrália e Nova Zelândia, países desenvolvidos com taxas de câmbio flutuantes, não querem encorajar a manipulação cambial. O Chile, um país de rendimento médio que há muito tem políticas macroeconómicas sólidas e responsáveis, não apoia a manipulação cambial. México e Peru têm muito a temer se os outros países voltarem a ser manipuladores cambiais.

Igualmente, o Japão, que tem agora em prática a sua própria versão do QE, receia uma potencial manipulação cambial por outros países, tais como a Coreia do Sul e a China. Malásia e Singapura, que acumularam reservas substanciais de moeda estrangeira, devem também estar agora mais preocupados com a manipulação cambial pelos seus parceiros. O Vietname tem problemas mais graves com a TPP para resolver, particularmente acerca dos direitos laborais. E Brunei Darussalam, com uma população inferior a 500 mil pessoas, não deverá opor-se.

A manipulação cambial é um problema real que causa danos significativos. O acordo da TPP - se estabelecer um mecanismo de resolução de disputas que possa rapidamente julgar queixas injustificadas e acolher casos genuínos - poderá ser a melhor solução para resolvê-lo.

 

Simon Johnson é professor na Sloan School of Management do MIT e co-autor de White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, And Why It Matters To You

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org

Tradução: André Tanque Jesus

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