Opinião
As lições das eleições nos Estados Unidos
O inesperado resultado da eleição norte-americana deixou quatro grandes lições, que podem ser aplicadas a todas as democracias avançadas.
A eleição inesperada de Donald Trump para 45º presidente dos Estados Unidos da América (EUA) gerou uma indústria informal de análises pós-eleitorais e de previsões, tanto na América como no estrangeiro. Alguns ligam a vitória de Trump a uma tendência mais alargada relacionada com o populismo no Ocidente e, em particular na Europa – um exemplo disso é o voto pela saída dos britânicos da União Europeia no referendo, realizado em Junho, no Reino Unido. Outros, focam-se na atractividade de Trump por ser uma pessoa de fora da política, capaz de mudar o sistema político de uma forma que a sua opositora, a antiga Secretária de Estado Hillary Clinton – uma pessoa que pertence ao mundo da política - nunca poderia.
Nos meses que antecederam a eleição, nos meios de comunicação social tradicionais, os especialistas e as sondagens mostraram continuamente que Trump tinha pela frente um caminho estreito para a vitória. O que não foi reconhecido foi o tamanho da ansiedade, em termos económicos, sentida pelas famílias da classe trabalhadora nos estados fundamentais, uma ansiedade provocada pelas deslocalizações geradas pela tecnologia e pela globalização.
Mas, como destaquei dois meses antes das eleições, estas frustrações tinham um alcance mais alargado e as pessoas sentiam que estavam a ser ignoradas e deixadas para trás – e foi Trump que fez finalmente com que esse grupo de pessoas se sentisse notado. É por isso que eu admitia a possibilidade de Trump vencer, apesar de Clinton estar significativamente à frente nas sondagens (cinco pontos, antes das eleições).
E esse desfecho aconteceu. Trump venceu por uma margem curta em estados que os Republicanos não venciam há décadas (Wisconsin, Michigan e Pensilvânia) e venceu o muito disputado estado do Ohio.
De facto, os Republicanos garantiram uma ampla vitória. O partido mantem o controlo do Senado - os Republicanos têm mais do dobro dos lugares dos Democratas - e perdeu menos de 20 lugares na Câmara dos Representantes, algo que não era esperado. Além disso, os Republicanos controlam agora 33 governos, o que compara com os 16 controlados pelos Democratas, e ampliaram a sua maioria na legislatura do Estado. Agora, a conversa deixou de ser a queda iminente do Partido Republicano para o debate passar a ser sobre o repúdio, a confusão e o sombrio futuro dos Democratas.
Desde a eleição, Trump afirmou rapidamente o seu poder. Os Republicanos, mesmo aqueles que se opuseram a Trump durante a campanha, cerram fileiras atrás dele. Entretanto, os Democratas no Governo – de forma mais notória o presidente Barack Obama – repetem o pedido feito por Clinton aos seus simpatizantes no discurso em que aceitou a derrota: dar uma oportunidade a Trump para liderar.
O inesperado resultado da eleição norte-americana deixou quatro grandes lições, que podem ser aplicadas a todas as democracias avançadas.
A primeira lição é que o crescimento vence a redistribuição. O plano económico de Clinton, de que pouco se falou, visava ampliar a agenda de esquerda de Obama de forma que parecesse mais socialista, como a do seu opositor nas primárias, o senador do Vermont, Bernie Sanders. Na opinião de Clinton, o melhor modo de combater a desigualdade era subir os impostos aos mais ricos e assim dar mais serviços "gratuitos" (pagos pelos contribuintes).
Por outro lado, Trump soube apelar a um discurso baseado no emprego e nos rendimentos. Apesar dos meios de comunicação falarem quase em exclusivo sobre as suas declarações mais exageradas e polémicas, o que lhe deu o apoio dos eleitores foi, sobretudo, a sua mensagem económica. As pessoas querem ter esperança num futuro melhor e rendimentos mais elevados e não uma fatia extra dada pelo Governo.
A segunda lição está relacionada com o risco de subestimar e ser condescendente com os eleitores. Desde o início que Clinton não gerou muita simpatia. As revelações durante a campanha (por exemplo, o discurso, em 2015, em que disse "que os códigos culturais muito arraigados, as crenças religiosas e os preconceitos estruturais têm de mudar" para garantir os direitos reprodutivos das mulheres, entre outros – reforçou os receios de que Clinton pudesse impulsionar um agenda social demasiado progressiva.
Reconhecendo isto, Clinton tentou vencer a eleição tornando Trump inaceitável. Mas os seus comentários – que metade dos apoiantes de Trump consideraram ser um "conjunto de coisas lamentáveis" como que eles eram racistas, sexistas, homofóbicos, xenófobos e islamofóbicos - teve como efeito reforçar a impressão que Clinton, e o seu partido, olhavam para os eleitores que votavam em Trump com desprezo. Tais demonstrações podem ter feito com que alguns eleitores indecisos tenham votado contra Clinton.
A terceira lição é que a capacidade que uma sociedade tem para absorver uma mudança rápida é limitada. Quando os progressos tecnológicos e a globalização, já para não falar nas mudanças sociais e culturais, ultrapassam a capacidade das pessoas para se adaptarem, estes tornam-se chocantes, perturbadores e esmagadores. Muitos eleitores – não apenas na América – preocupam-se com o terrorismo e com a imigração, em especial quando combinadas com estas mudanças rápidas.
A acrescentar a estes receios está também a crescente epidemia opiácea dos Estados Unidos e uma tendência para que o politicamente correcto seja intolerante o que, para muitos, não se assemelha a progresso. Se os sistemas políticos democráticos não encontrarem formas de tornar estas transições fáceis, dando amortecedores para o choque, e se não aceitarem atitudes e valores heterodoxos, os eleitores vão afastar-se.
A última lição está relacionada com o perigo da câmara de ressonância ideológica. O argumento repetido pelos eleitores de Hillary Clinton que ninguém conhecia alguém que votasse em Trump, revela que a dimensão da bolha em que muitas pessoas vivem – tanto Republicanos como Democratas – em termos sociais, económicos, informativos, culturais e comunicacionais.
Recusando-se a confiar nos meios de comunicação nacionais, algo que combinado com a proliferação da comunicação na internet, criou um mundo em que as pessoas lêem notícias frequentemente criadas com o objectivo de "se tornarem virais", não de informarem. O resultado do que é criado dificilmente pode ser considerado notícia. Além disso, a informação que as pessoas vêem frequentemente é filtrada e assim são expostas apenas às ideias que reflectem ou reforçam as suas próprias ideias. (O corolário deste mundo online é que, e tal como Trump e Clinton descobriram, estamos todos à distância de um clique de um hacker no Youtube ou no WikiLeaks, nas notícias na cabo ou na rádio, podendo obter fama ou infâmia).
Estes desenvolvimentos acabam por prejudicar a capacidade das pessoas de se envolverem em discussões informadas e racionais e, muito menos, de se envolverem em debates, com pessoas que têm diferentes perspectivas, valores ou interesses económicos. Mesmo os universitários, que supostamente impulsionam a partilha de conhecimento e o espírito de debate, estão agora a reprimí-lo através, por exemplo, do anulamento de convites para qualquer pessoa que um determinado grupo considere questionável. Quando falhamos em envolvermo-nos em tais debates – quando as pessoas escolhem "espaços seguros" em vez de uma discussão dura - perdemos a nossa melhor hipótese de construir um consenso sobre como resolver, pelo menos, alguns dos mais prementes problemas da nossa sociedade.
Michael J. Boskin é professor de Economia na Universidade de Stanford e membro senior da Hoover Institution. Foi chairman do conselho de assessores económicos de George H. W. Bush de 1989 a 1993.
Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro