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28 de Abril de 2015 às 20:54

A manipulação cambial europeia

A Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, na sigla anglo-saxónica), que a União Europeia e os EUA estão actualmente a negociar, iria impulsionar o bem-estar e reduzir o desemprego em ambas as economias, bem como noutros países, indicam os estudos.

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Ao mesmo tempo, a TTIP poderá ajudar a restaurar a confiança na Europa e a comunidade transatlântica. Mas há uma grande barreira na concretização destes benefícios: o euro.

 

O problema surge da manipulação cambial. Ao longo das últimas três décadas, os EUA toleraram a manipulação cambial pelos seus principais parceiros comerciais asiáticos, o que levou a enormes excedentes comerciais e da conta corrente através da desvalorização das suas moedas.

 

Mas os EUA não deverão aceitar o mesmo comportamento em zonas de comércio livre. De facto, uma maioria bipartidária no congresso norte-americano exige já que a TTIP - um acordo de comércio livre mega-regional, envolvendo 12 países do Pacífico - inclua normas que impeçam a manipulação cambial.

 

As discussões acerca de manipulação cambial há muito que se focam na China, que não faz parte da TPP (sigla anglo-saxónica de Parceria Trans-Pacífico), mas poderá vir a juntar-se, ou participar num acordo semelhante. Mas a economia com o maior excedente da conta-corrente não é a China: é a Zona Euro. De facto, ascendendo a mais de 30 mil milhões de dólares, o excedente da conta corrente da Zona Euro em 2014 foi cerca de 50% superior ao da China.

 

A razão é simples: a expansão monetária, que leva a uma depreciação cambial, é a única ferramenta macroeconómica disponível no Banco Central Europeu, de modo a impulsionar a competitividade de economias em dificuldades, como Grécia, Espanha, Itália, Portugal e França. Com resultado, os défices na conta-corrente nos países do Sul diminuíram ou desapareceram, ao passo que os excedentes, em países como Alemanha, aumentaram, levando a que o excedente global da Zona Euro crescesse.

 

Um problema insolvível para o BCE é que o euro continua demasiado forte para os países deprimidos do Sul e demasiado fraco para a Alemanha. Enquanto permitir que a moeda valorize irá ajudar a reduzir o excedente da conta-corrente, irá também exacerbar o stress económico nos deprimidos países do Sul. Por sua vez, isso iria fortalecer os movimentos políticos populistas e antieuropeus, que capitalizaram as dificuldades sociais para ganhar apoio.

 

Alguns observadores acreditam que os desequilíbrios internos da Zona Euro podem ser reduzidos se a Alemanha aumentar a despesa e permitir que os salários aumentem mais depressa. Mas para muitos alemães, que resistiram a difíceis reformas da Segurança Social e do mercado laboral entre 2003 e 2005, um esforço deliberado para diminuir os árduos ganhos de competitividade não é uma opção. O facto de 63% das exportações alemães ir para países de fora da Zona Euro - o que significa que as empresas alemãs devem ser capazes de competir com os parceiros de todo o mundo e não apenas com os da Zona Euro - torna o assunto ainda mais sensível.

 

Outros observadores afirmam que uma maior integração, especialmente um progresso para uma união orçamental e política, iria dar à Zona Euro instrumentos alternativos - nomeadamente, transferências de riqueza - para melhorar a competitividade dos países deprimidos. Contudo, tal como Itália e Alemanha aprenderam nos seus maioritariamente falhados (e extremamente caros) esforços para estimular as regiões não-competitivas, tais expectativas são injustificadas. De facto, apesar de gastarem elevadas quantidades do dinheiro dos contribuintes - que ascendem anualmente a 16% do PIB regional do Sul de Itália e a 25% do PIB regional do Este da Alemanha -, as economias italiana e alemã beneficiaram pouco.

 

Dado que a Zona Euro provavelmente não seria capaz de dar aos seus membros não-competitivos transferências anuais tão grandes, essa estratégia seria ainda menos provável que resultasse. De igual forma, as políticas estruturais que visam melhorar a competitividade das regiões subdesenvolvidas de uma área com a mesma moeda revelaram-se sucessivamente caras e ineficazes.

 

Resumidamente, os desequilíbrios internos da Zona Euro provavelmente irão persistir - e, com estes, a moeda subvalorizada e enormes excedentes da conta-corrente. Para ter a certeza, poderá argumentar-se que, enquanto o BCE não intervier directamente através da compra de activos em moeda estrangeira, a Zona Euro não será qualificada enquanto um manipulador cambial. Mas dada a natureza intencional das acções do BCE - para não dizer a posição de liderança da Zona Euro na economia global -, este argumento provavelmente não se irá aguentar muito tempo.

 

Na sua génese, a manipulação cambial é qualquer intervenção intencional que resulte numa moeda subvalorizada e num excedente da conta-corrente - exactamente o que o BCE está a fazer. Se o BCE mantiver esta política por um longo período, a tensão com os EUA é tudo menos inevitável - uma tensão que poderá obstruir a aprovação da TTIP pelo congresso norte-americano, ou atrasar a real actuação do tratado, resultando na sua deterioração ou término.

 

Isto vai contra a visão popular, que levou à criação da Zona Euro, de que a Europa precisa de uma moeda única para competir com grandes economias como os EUA, China e Índia. De facto, se os membros da Zona Euro mantiverem (ou restaurarem) as suas moedas nacionais, indexadas a bandas cambiais ajustáveis, poderiam resolver os seus desequilíbrios muito facilmente, sem gerar um excedente da conta-corrente tão grande. Em vez disso, estão em risco de espoletar uma guerra cambial com vários actores principais da economia mundial - perdendo parceiros comerciais e aliados muito valiosos no processo.

 

É presidente executivo da Capital Strategy e anteriormente foi vice-ministro das Finanças da Polónia. É co-autor do recente artigo acerca da disrupção da Zona Euro e foi um signatário do European Solidarity Manifesto.

 

© Project Syndicate, 2015.

www.project-syndicate.org

Tradução: André Jesus

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