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11 de Novembro de 2015 às 20:00

O fim da hegemonia da Alemanha

Sem ninguém notar, o equilíbrio interno do poder na Europa tem vindo a mudar. A posição dominante da Alemanha, que parecia absoluta desde a crise financeira de 2008, está a enfraquecer gradualmente – com implicações de longo alcance para a União Europeia.

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Claro que, de uma certa perspectiva, o simples facto de as pessoas acreditarem que a Alemanha é forte reforça o estatuto do país e a sua posição estratégica. Mas as pessoas vão começar a perceber que o principal impulsor dessa percepção – que a economia da Alemanha continua a crescer, enquanto a maioria das economias da Zona Euro passou por uma recessão prolongada – representa uma circunstância excepcional, que brevemente desaparecerá.

Em 12 dos últimos 20 anos, a taxa de crescimento da Alemanha foi menor do que a média dos outros três grandes países da Zona Euro (França, Itália e Espanha). Embora o crescimento alemão se tenha destacado durante o período pós-crise, como mostra o gráfico, o Fundo Monetário Internacional prevê que ele caia abaixo da média desses três países - e muito abaixo da média da Zona Euro, que inclui os países de rápido crescimento da Europa Central e de Leste - dentro de cinco anos.

Sem dúvida que a Alemanha ainda tem algumas vantagens aparentes. Mas uma análise mais atenta mostra que essas vantagens não são tão positivas como parecem.

Para começar, a Alemanha está próxima do pleno emprego - em nítido contraste com as taxas de desemprego de dois dígitos que prevalecem em grande parte da Zona Euro. Mas a combinação de pleno emprego e baixas taxas de crescimento aponta para um problema subjacente: um crescimento muito lento da produtividade. Acrescente-se a isso um conjunto cada vez menor de trabalhadores capazes de satisfazer as necessidades do mercado de trabalho alemão - a população do país está a envelhecer, e os refugiados que chegam não possuem as habilitações necessárias - e a economia alemã parece condenada a um longo período de fraca performance.

Outra vantagem aparente são as grandes reservas financeiras da Alemanha, que não só funcionaram com uma almofada durante a crise, como também conferiram ao país uma considerável influência política. Já que os fundos alemães eram indispensáveis para socorrer a periferia da Zona Euro, o país tornou-se central para todos os esforços de resolução da crise.

Foi necessário o consentimento da Alemanha para criar a "união bancária" da Europa, que implicava a transferência dos poderes de supervisão para o Banco Central Europeu e a criação de um fundo para a resolução dos bancos considerados insolventes. E a resistência alemã contribuiu para um atraso na intervenção do BCE nos mercados de obrigações; quando o BCE lançou finalmente o seu programa de compra de títulos, fê-lo com a aprovação tácita da Alemanha.

Mas agora que as taxas de juro estão em zero, as grandes economias da Alemanha já não têm grande vantagem. E com a tempestade financeira a acalmar, a Alemanha carece de novas oportunidades para demonstrar a sua influência política, tanto dentro como fora da Zona Euro.

De facto, enquanto a Alemanha - devido ao seu profundo envolvimento nas economias da Europa Central e Oriental - foi um jogador-chave nos acordos de Minsk para pôr fim ao conflito na Ucrânia, tem pouca influência, por outro lado, nos países do Médio Oriente que estão a atrair as atenções de todo o mundo, actualmente. Embora muitos tenham destacado a liderança política da Alemanha na crise de refugiados, a realidade é que ser empurrado para a linha da frente dessa crise, sem ter muita influência sobre os factores a impulsionam, está a colocar uma grande pressão sobre o país. A Alemanha vê-se agora, pela primeira vez, na posição de ter que pedir solidariedade aos seus parceiros da União Europeia, já que não consegue absorver todos os refugiados, sozinha.

Contudo, como é habitual, as percepções estão atrasadas face à realidade, o que significa que a Alemanha ainda é amplamente reconhecida como a força mais poderosa da Zona Euro. Mas, com o ciclo de negócios global a acelerar o retorno da Alemanha para a "velha normalidade", a mudança de poderes na Europa vai tornar-se cada vez mais difícil de ignorar.

A Alemanha, que exporta um grande volume de bens de investimento, beneficiou mais do que outros países da Zona Euro da expansão do investimento na China e noutras economias emergentes. Mas o crescimento das economias emergentes está agora a abrandar consideravelmente, incluindo na China, onde a procura está a mover-se do investimento para o consumo. Isso tende a minar o crescimento alemão e a beneficiar os países do sul da Europa, que exportam mais bens de consumo.

A mudança nas dinâmicas do poder económico e político da Europa deverá ter um impacto importante sobre o funcionamento da UE - e especialmente da Zona Euro. Por exemplo, sem uma Alemanha forte para impor restrições orçamentais na Zona Euro e forçar a implementação de reformas estruturais difíceis, mas necessárias, os países podem perder a motivação para fazer o que é necessário para garantir a equidade e estabilidade a longo prazo. Se a inflação continuar baixa, o BCE pode sentir-se mais livre para implementar novas rondas de estímulos monetários, colocando ainda mais em causa os objectivos orçamentais.

Em suma, podemos estar a caminhar em direcção a uma política económica menos "germânica" na Zona Euro. Embora isso possa aumentar a popularidade da UE na periferia, poderá, por outro lado, aumentar a resistência à adesão à UE na Alemanha - um país que, apesar do declínio da sua força económica, continua a ser uma peça importante do puzzle da integração.

Daniel Gros é director do Centro de Estudos Políticos Europeus.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria
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