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Xeque-mate

Portugal não tem, felizmente, nenhuma querela territorial. O fim das colónias foi também o fim dos problemas com a geografia. Mas embora não existam entre nós casos nesse domínio, o que não faltam são as excentricidades locais e regionais.

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Desde logo dos muitos presidentes de câmara cuja notoriedade se faz à conta do combate contra o dito centralismo, umas vezes com ameaças, outras com cenas caricatas. Ainda recentemente Fernando Ruas, chefe dos autarcas, o que diz muito sobre quem o elegeu, apelou ao apedrejamento dos fiscais de Lisboa. Bravata bem reveladora da natureza do provincianismo português que continua pela idade da pedra. Outros há que se lançam em devaneios, exigindo fundos e apoios para obras de muito mau gosto e parca utilidade. E não faltam os que exploram duvidosas tradições e costumes, chouriços e feiras de cestos como forma de exacerbar a rebelião contra a cidade e a modernidade. Nada de grave na maioria destes casos, ainda que por vezes a resistência tome a forma de rituais públicos degradantes e muito elogio da miséria e da mediocridade. No fundo todos por junto reeditam as mui patéticas e gastas guerras da província contra a metrópole. Só mostrando que continuam no século XIX e que lhes falta sobretudo a imaginação, o saber e a visão. A paisagem cultural e política do chamado Portugal profundo é uma tragédia.

A nível regional as coisas também não estão melhor. Portugal continental tem na verdade três únicas regiões, Norte, Lisboa e Algarve. O resto é paisagem. Literalmente. Mas só Lisboa parece não ter problemas de identidade e de representatividade política. O Algarve nunca conseguiu ter voz, o Norte tem vozes a mais. Não há por isso nenhuma capacidade de afirmação regional. Só peripécias e tropelias. O Algarve continua a pensar em pequeno, aldeamentos, estradas, esgotos e visitas de ministros, mas não consegue definir uma estratégia ambiciosa para o turismo, a sua única e perene actividade. Já ao Norte falta sinergia e visão europeia sem a qual se dispersa na afirmação de localismos e de alguns pândegos residentes.

Mais sorte temos nós no plano internacional onde não há crise de maior. Não temos inimigos. Nem inventados. Ainda que persistam alguns excitados que gostariam de desencadear uma refrega com a Espanha a propósito de Olivença. Mandam emails e desenrolam bandeirolas nas ocasiões oportunas. E dizem ter o apoio do putativo rei e da sua diminuta corte de aristocratas falidos. Mas a coisa é tão caricata que, felizmente, nada mais conseguem do que estreitos sorrisos.

Resta-nos portanto Alberto João Jardim. Esse mestre do insulto como lhe chamou recentemente um insuspeito jornal espanhol. Jardim é o único dissidente regional que nos coube. Aquele homem que embora não consiga fazer tremer a pátria, pelo menos faz-nos rir com frequência. É aliás um artista completo. Num dia ameaça invadir o continente, noutro com o separatismo e não perde uma oportunidade de animar os media com as suas piadas e brejeirices. Tem, para mais, um guarda-roupa exuberante, cheio de turbantes e chapéus vistosos, peles de tigre e casacos com lantejoulas. No trato é um bonacheirão, coisa agradável, na política uma espécie de Hugo Chavez da direita. Com a única vantagem de em vez da boina militar preferir o charuto à Guevara. Sendo parecido no andar com alguns ditadores, honra lhe seja feita, só é violento na verborreia. É por isso um típico produto do imaginário português, inofensivo portanto.

Parece que Almada Negreiros apreciava muito a expressão esperteza saloia. Fez aliás uma conferência em 1936 intitulada "Elogio da Ingenuidade ou as Desventuras da Esperteza Saloia". Sem desprimor para os habitantes de Sintra os epítetos de saloio e esperto assentam bastante bem a Jardim. Pelo menos do lado do esperto. A sua postura espalhafatosa garantiu, anos a fio, uma ininterrupta remessa de dinheiros da república que serviu para fazer obra e pagar a fidelidade eleitoral dos madeirenses. Com menos de metade dos habitantes de Lisboa tem mais do dobro do dinheiro para gastar do que Carmona Rodrigues. A que se juntam as verbas para as autarquias, as da Europa, as dos múltiplos programas de apoio às periferias. Tanto dinheiro compra muita coisa e muita gente.

É por isso que esta história da retenção dos 50 milhões é um marco. Pela primeira vez um governo teve a coragem de enfrentar Jardim. Nunca tinha acontecido de forma tão decidida, frontal e, acima de tudo, eficaz. Com este lance Sócrates deu xeque-mate ao rei da Madeira. Até porque deixou Jardim sem capacidade de desforra. Anos a fio a insultar, ameaçar e meter medo consumiram toda a artilharia pesada. Não resta nada. Pedir a demissão do Santos já nem tem piada. Acenar com a coesão nacional já não comove ninguém.

Mas este gesto vai mais longe. Não visa só o governo regional mas todos os políticos locais e regionais que seguem a máxima do quem não chora não mama. A mensagem é clara. O dinheiro público não pode continuar a ser gasto de forma desbragada e irresponsável. O povo aplaude.

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