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28 de Fevereiro de 2012 às 23:30

Votos na Rússia

Numa Rússia ressabiada, mau e bom da fita tentarão ganhar apoio em casa criando conflitos fora mas é em casa que o bicho morde. E a Rússia é especial. No começo do século XX fez duas revoluções que mudaram o mundo; no fim do século XX livrou-se da opressão criada por elas sem um banho de sangue. Vá lá saber-se o futuro.

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O bom e o mau da fita, o ‘good cop’ e o ‘bad cop’ em fitas americanas de polícias e ladrões incomodaram o mundo durante cinco anos e meio. Em Setembro passado Vladimir Putin anunciou que Dimitri Medvedev e ele trocariam papeis a seguir à eleição de Março.

Há duas semanas um escritor sírio chamado Ursan recebeu em Moscovo a Medalha de Pushkin das mãos de Medvedev. Dirigindo-se aos agraciados (eram 12), Medvedev disse-lhes que tinham dado contribuição valiosíssima ao desenvolvimento das relações da Rússia com outros povos do mundo. Ao aceitar a medalha, o sírio – que foi presidente da União dos Escritores Sírios - agradeceu à Rússia "atitude firme e decisiva contra agressão, terrorismo e tentativas de ingerência nos assuntos internos de outros Estados e povos". (A retórica não mudou desde os tempos do Comintern e os critérios também não). Um porta-voz de Medvedev esclareceu que a situação política actual na Síria não contribuirá para a decisão, tomada há alguns meses, de premiar Ursan pelo seu trabalho de ligação entre escritores sírios e escritores soviéticos/ russos: "É um escritor. Não é um vendedor de armas". Não sei se os propósitos do premiado a 25 de Setembro de 2001 - "Os meus pulmões encheram-se de ar e respirei com alívio como nunca respirara antes" - celebrando as atrocidades da Alqueda a 11 desse mês numa revista literária de Beirute, terão contribuído. Mas a Medalha foi-lhe imposta pelo bom da fita, assim chamado por pedir, de vez em quando, reformas políticas e combate à corrupção e a abusos de poder na Rússia.

O mau da fita prepara-se para terceiro mandato à frente do Kremlin. Para re-entrar com o pé direito precisaria de maioria absoluta logo na primeira volta das eleições, o que é incerto. Graças a grandes aumentos de ordenados decretados nas últimas semanas, a sua popularidade subiu num mês de 42 para 58%; dobrou o orçamento militar e os salários da polícia. Putin construiu imagem de governante providencial, macho e enérgico, graças a preços altos do petróleo, essenciais para ir contentando classe média consumidora, e por afirmações de poder que distraem os russos dos podres internos: invasão da Geórgia, blitz cibernético contra a Estónia e agora veto no Conselho de Segurança da ONU para ajudar o carniceiro de Damasco. Mas subida de nível de vida tem tornado a classe média mais exigente e mais crítica e a de-sacralização de Putin é irremediável; deverá ganhar a eleição mas não saberá como governar. Em discursos de campanha acusa conspiração estrangeira indefinida de querer destruir a grandeza da Rússia e destrui-lo a ele. ("Mutatis mutandis" o que diz o seu protegido sírio).

Numa Rússia ressabiada, mau e bom da fita tentarão ganhar apoio em casa criando conflitos fora mas é em casa que o bicho morde. E a Rússia é especial. No começo do século XX fez duas revoluções que mudaram o mundo; no fim do século XX livrou-se da opressão criada por elas sem um banho de sangue. Vá lá saber-se o futuro.
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