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23 de Dezembro de 2011 às 12:08

Urbano Carrasco: quarenta anos na primeira página

Em 18 de Dezembro de 1961 a União Indiana anexou os territórios de Goa, Damão e Diu, tidos como o Estado Português da Índia.

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(Aos sobreviventes de um grande jornal e de uma grande geração de jornalistas)


Em 18 de Dezembro de 1961 a União Indiana anexou os territórios de Goa, Damão e Diu, tidos como o Estado Português da Índia. Durante mais de quatrocentos anos, a presença portuguesa foi uma realidade. Sabe-se que Salazar recusou qualquer tipo de conversações políticas que conduzissem à entrega dos territórios às autoridades indianas. A invasão tornou-se tragicamente inevitável. Portugal dispunha, apenas, de 3.300 soldados, um aviso e três lanchas de fiscalização. A União Indiana, de 45 mil soldados, um porta-aviões, um cruzador, três contratorpedeiros, quatro fragatas, cinquenta caças e bombardeiros. Portugal registou trinta e um mortos em combate e cinquenta e três feridos. Três mil e trezentos e seis foram feitos prisioneiros de guerra. Da União Indiana houve trinta e quatro mortos e cinquenta e um feridos. O conflito durou trinta e seis horas.

O General Vassalo e Silva, nobre figura de militar, pediu a Lisboa reforços. Salazar respondeu que só admitia mortos ou gloriosos. Vassalo e Silva, para evitar uma chacina cruel e inútil, decidiu render-se. O Chefe do Governo português tentou desonrá-lo e lançá-lo no opróbrio. Uma campanha miserável, apoiada por uma Imprensa manietada e amordaçada, manipulou as consciências e criou a ideia infame de que os soldados se haviam acobardado. Durante anos, foram insultados e caluniados. Desta coluna os homenageio com gratidão e orgulho.

É uma história que nobilita um homem, o general Vassalo e Silva, ainda hoje lembrado com orgulho e gratidão pelos soldados da Índia, e enche Salazar de ignomínia. A política deste era a de dar ao mundo a ideia de que Portugal fora vítima de uma política expansionista, determinada pelas dificuldades que, na altura, enfrentava Nehru.

Por altura dos cinquenta anos da invasão, alguns jornais e televisões assinalaram a efeméride. Todos eles se esqueceram de Urbano Carrasco, repórter do "Diário Popular" enviado-especial à zona do conflito, e durante meses prisioneiro de guerra num campo de concentração.
Urbano Carrasco era um jornalista de grande talento e o mais famoso repórter do "DP" e da Imprensa portuguesa em geral. Onde havia conflagração e perigo lá estava ele. O assalto ao Santa Maria, o vulcão dos Capelinhos, a guerra colonial (não estou a seguir a cronologia dos factos, sirvo-me da memória), mas, também, a denúncia de que, à época, a Sociedade Portuguesa de Autores cobrava direitos a… Camões; ou a detenção, durante um fim-de-semana, nos calabouços do Governo Civil, por não possuir (decisão pessoal) a obrigatória licença de isqueiro; ou, ainda, uma ida à União Soviética, numa delegação desportiva, quando os vistos estavam proibidos, para escrever o que via. E escrevia com uma rapidez impressionante, claro e directo, uma prosa feliz a álacre. E com probidade.

Um homem largo e bojudo, imponente e impositivo, com mais de 120 quilos, grande garfo, grande copo, grande trabalhador, que se movia com uma leveza inacreditável, olho azul, cabelo cortado rente ao crânio. Simpatizava com o regime, mas nada queria do regime. Inclusive, chegou a recusar, por duas vezes, o Prémio Afonso de Bragança, do Secretariado Nacional de Informação, contrastando, assim, com alguns sujeitos conotados com a oposição. O seu carácter tinha as dimensões da sua estatura. E, de seu natural, era honrado, decente e digno.

Fomos amigos sem opacidades. E, apenas uma vez, por motivos que, na altura, considerei condenáveis, me aborreci com ele. Mas quando o meu velho amigo e camarada foi surpreendido com um cancro, fui oferecer-lhe sangue, o mesmo teria ele feito, em idênticas circunstâncias. Morreu novo, com 62 anos, e creio que nem sequer tem o nome numa rua, o que seria mais do que justo. Urbano Carrasco foi um extraordinário profissional de Imprensa e um português de grande dimensão moral.

Nunca discutimos política, nunca as nossas opções ideológicas colidiram. Gostávamos muito um do outro, e saíamos várias vezes para beber o vinho da amizade nos locais habitualmente frequentados por jornalistas. Quando aconteceu o incidente na Índia, eu ainda não estava no "Diário Popular", para onde entraria, como redactor, em 1965. Foi nesse ano que Salazar promoveu o julgamento de Vassalo e Silva. E como Urbano Carrasco era adepto do regime, o ditador fez pressão para que o jornalista testemunhasse. Certamente a favor do Governo, dadas as conjunturas. Porém, o velho Carrasco, fiel à sua consciência e incapaz de se desonrar, foi ao Tribunal da Boa Hora e declarou-se defensor da decisão do general, considerando-a de uma dignidade exemplar. Preparava-se uma cilada política execrável, mas Urbano Carrasco não colaborou na infâmia. E, quando à sua detenção, afirmou que fora sempre bem tratado.

O "Diário Popular", na época, dispunha de uma Redacção de luxo, na qual o Carrasco desempenhava um papel maior. Quando ele morreu, o jornal começava uma decadência penosa, devida a opções editoriais que nada tinham a ver com o espírito do jornal - cuja tiragem chegara a atingir 150 mil exemplares diários. Escrevi duas páginas necrológicas, com o título que hoje repito: "Urbano Carrasco - Quarenta Anos na Primeira Página."



b.bastos@netcabo.pt

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