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Uma visão para Lisboa

Numa campanha eleitoral, o que será mais desmoralizador: a coincidência de propostas de diferentes candidaturas, ou a excessiva divergência de ideias? Enquanto a primeira situação gera desinteresse, a segunda pode levar a posições extremadas.

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A emoção é máxima quando existe uma polarização clara entre duas alternativas.

No passado tivemos um bom exemplo no terminus da Ponte Vasco da Gama: Barreiro versus Montijo/Alcochete. A tensão entre as duas posições foi tão elevada que as alternativas, talvez mais importantes, rodoviária versus rodo/ferroviária ou Lisboa versus Leste de Vila Franca acabaram grandemente ignoradas. A emoção pode atingir o mesmo nível quando as alternativas são fazer ou não fazer. Vivemos isso com a Expo-98, o Euro-2004, o Centro Comercial Colombo, o projecto de teleférico para o Castelo, o Casino, o Túnel do Marquês e estamos ainda a viver com o TGV ou o novo aeroporto (nem ouso citar localizações). Esta divergência fracturante não é um exclusivo nosso. A Torre Eiffel foi um projecto temporário tendo a sua construção sido autorizada com base no compromisso de desmantelamento ao fim de alguns meses?

Curiosamente, a multiplicação de candidaturas não aumenta a divergência, favorecendo antes amplos e entediantes consensos. Se um candidato afirmar que é preciso tornar a cidade mais limpa, com menos ruído e melhor qualidade do ar, com redução dos grafitti, com melhor mobilidade, mais competitiva, mais atractiva para os jovens, obterá, no máximo uma concordância polida da audiência. Se se afirmar num debate televisivo, o opositor não será capaz de discordar, mas o ouvinte/eleitor terá forte probabilidade de mudar de canal.

Esta atitude é perigosa. O consenso alargado não conduz necessariamente à acção empenhada. O tema mais consensual da nossa época para a formulação da visão de uma cidade, de um país, de uma região ou de uma empresa é o ambiente – por vezes formulado de forma mais objectiva como "combate às alterações climáticas". As companhias petrolíferas, os gigantes da distribuição, que tanto contribuem para o distanciamento entre a produção e o consumo, a China e a Índia, a Califórnia, todos aderiram à causa da preservação do ambiente. Se dúvidas existissem, as recentes posições da Wall Mart e do Presidente Bush, novos campeões da eficiência energética, dissipá-las-iam inexoravelmente. Só a Exxon continua teimosamente a considerar que o seu negócio é o petróleo e que as energias alternativas são irrelevantes – mas provavelmente é a posição da aldeia gaulesa face ao Império Romano. O problema reside no facto de muitos destes importantes decisores procurarem apenas estar do lado de uma opinião pública progressivamente ansiosa, mais do que actuar de forma decidida, sobretudo quando há custos a suportar.

No entanto, o consenso amodorrante pode desaparecer quando se discutirem aspectos mais técnicos do plano de combate ao aquecimento global – sobretudo quando estiver em causa quem vai pagar a factura ou apropriar a riqueza criada. E esta é uma questão decisiva que os candidatos à câmara de Lisboa podem ou não querer enfrentar. O Presidente da Câmara de Nova Iorque propôs um plano para os próximos 25 anos em que a cidade deverá "deixar de estar em rota de colisão com o meio ambiente" (Economist, 28 de Abril, p.52). A frase não é no entanto vaga, nem necessariamente consensual. Para atingir esse resultado, Michael Bloomberg propõe 127 iniciativas relativas a terra, ar, água, energia e transportes, incluindo descontaminação de solos, plantação de um milhão de árvores, aumento da tarifa de electricidade de $2,5 por mês por cliente para melhorar a eficiência da produção energética, construção de pistas cicláveis e a aplicação de uma nova portagem de 8 dólares para os carros que atravessem a Ponte de Manhatan, só com o condutor. Neste momento, apenas 5% dos habitantes se deslocam para a cidade de carro, mas a redução desse nível e a maior eficiência energética permitirão, a prazo, reduzir em 30% o nível de emissões de dióxido de carbono.

Em Lisboa existem amplos consensos. Os candidatos concordam que é necessário aumentar os espaços verdes, devolver a cidade aos peões e aos ciclistas, melhorar a saúde pública e a habitabilidade. Um dos raros elementos polémicos revelados recentemente na campanha eleitoral foi precisamente o da necessidade de cobrar portagem aos carros que entram diariamente na cidade. Ainda bem – a divergência evita o desinteresse.

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