Opinião
Inteligência Artificial
A Inteligência Artificial é suscetível de transformar a generalidade das atividades económicas de forma ainda difícil de prever. Os robôs podem revolucionar as atividades industriais e agrícolas, os drones o processo de distribuição e os carros autónomos podem tornar-se brevemente uma realidade.
A minha miopia causa-me embaraços frequentes, provocados pela dificuldade em reconhecer pessoas a mais de 20 metros de distância. Apesar desta limitação, até há pouco tempo, dificilmente as máquinas conseguiriam superar a minha capacidade de reconhecimento, dado que a visão era um sentido de que estavam desprovidas.
O reconhecimento facial é precisamente uma das capacidades mais promissoras da chamada Inteligência Artificial (IA), pelo seu potencial de utilização na automatização de atividades repetitivas, como fazer pagamentos numa loja ou usar um transporte público. É fácil imaginar que esta tecnologia possa também reforçar a segurança dos cidadãos e identificar os autores de atividades criminosas, mas com custos elevados para a privacidade e a liberdade individual. A notícia recente de um projeto-piloto, na China, de instalação de câmaras fotográficas em salas de aula, para análise do nível de atenção de cada aluno, suscita preocupações que podem superar os possíveis benefícios desta experiência. A instalação maciça de câmaras de filmar em Londres, com o objetivo de controlar os assaltos violentos, foi fortemente contestada pela ameaça que representa para a privacidade do cidadão comum.
Outro sentido que as máquinas desenvolveram de forma exponencial, depois de décadas de experimentação, foi a audição, ou reconhecimento da voz. A Google e a Amazon desenvolveram "assistentes eletrónicos" comandados pela voz, que permitem consultar a internet, controlar os eletrodomésticos da habitação ou fazer reservas em restaurantes. No entanto, uma instalação da Alexa, da Amazon, ficou célebre por ter espontaneamente gravado uma conversa do casal proprietário para a seguir a transmitir telefonicamente a um amigo. O receio de que estes equipamentos materializem a profecia do Big Brother de George Orwel tem seguramente atrasado a adoção de instrumentos já amplamente disponíveis e com desempenho satisfatório.
A IA é suscetível de transformar a generalidade das atividades económicas de forma ainda difícil de prever. Os robôs podem revolucionar as atividades industriais e agrícolas, os drones o processo de distribuição e os carros autónomos podem tornar-se brevemente uma realidade. No entanto, o processamento de grandes volumes de informação e de aprendizagem dos computadores ("machine learning") tem potencialidades igualmente dramáticas. A otimização das cadeias de distribuição, a desintermediação financeira e o marketing analítico adaptado ao perfil dos consumidores são exemplos de aplicações da IA em que já foram dados os primeiros passos, e registados riscos substanciais, por exemplo ao nível da influência sobre processos eleitorais. No entanto, o processamento de grandes bases de dados levará a transformações na medicina, no direito e até na gestão de recursos humanos das empresas, ao nível do recrutamento, remuneração, gestão da rotação e avaliação do bem-estar dos trabalhadores.
Já passaram 22 anos desde que, em fevereiro de 1997, o computador da IBM, Deep Blue, venceu, pela primeira vez, o campeão mundial de xadrez, Garry Kasparov. Nenhum jogador atual se sente humilhado por perder com um programa instalado no seu telemóvel. E no recente campeonato de Londres, entre o campeão atual, o norueguês Magnus Carlsen, e o norte-americano Fábio Caruana, todos os jogos regulares terminaram com empate, tendo o veterano Carlsen vencido apenas em jogo rápido, com limite de tempo, uma espécie de desempate por penáltis nos jogos de futebol. O nível de erros entre os jogadores de topo é hoje incomparavelmente menor devido à utilização de "software" que permite, a humanos, um domínio considerável de todas as fases do jogo, acumulado pela análise de milhões de partidas anteriores.
A IA é suscetível de tornar a humanidade mais saudável, mais eficiente, mais sustentável e mais justa. Mas para que seja também mais feliz e menos conflituosa, é indispensável que sejam criados mecanismos de controlo, em que as máquinas estejam efetivamente ao serviço das pessoas, como nas três leis da robótica de Isaac Asimov, e o valor criado não seja apropriado por um número reduzido de empresas e indivíduos.
Dean da ISCTE Business School