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Opinião
11 de Dezembro de 2006 às 13:08

Uma proposta confrangedora

Uma hora bastou para ler o recente Livro Verde sobre a Modernização da Legislação do Trabalho, apresentado pela Comissão Europeia (CE).

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Em resposta àquilo que designa como os "desafios do século XXI" a CE aborda, numas breves dezassete páginas, os objectivos do Livro, a evolução do Direito do Trabalho na União Europeia (UE), o principal desafio político do mercado de trabalho europeu, assim como diversas questões para debate acerca da "modernização do Direito do Trabalho".

O objectivo avançado pelo Livro Verde parece ser o de lançar um debate público na UE sobre a forma "como é desejável que evolua o Direito do Trabalho no seio dos Estados-membros". Assumindo-se como um catalisador de apoio à acção dos Estados e dos parceiros sociais com vista a reforçar os objectivos da Estratégia de Lisboa, a CE considera a modernização do Direito do Trabalho como uma das principais condições para assegurar a adaptação de trabalhadores e de empresas aos desafios da globalização.

Reconhecendo que a génese do Direito do Trabalho se fundou na necessidade de atenuar as desigualdades económicas e sociais inerentes à relação de trabalho, o documento assevera também que, desde os anos 1990, as reformas da legislação nacional nos diferentes países da UE se têm pautado pela flexibilidade ao nível da diversificação contratual. Afirma ainda que a protecção das condições de trabalho e de melhoria da qualidade do trabalho nos Estados-membros depende, essencialmente, da legislação nacional e da eficácia das medidas de controlo do respeito pela legislação adoptadas em cada Estado.

Dada a impossibilidade prática de – neste artigo – discutir a totalidade dos aspectos abordados no referido Livro, cingir-me-ei apenas a um aspecto que, entre outros, considero fundamental. Reportando-se a um estudo da CE realizado este ano sobre Emprego na Europa, o Livro Verde enfatiza que "os trabalhadores sentem-se melhor protegidos pelo sistema de desemprego do que pela legislação de protecção no emprego". Nesta medida – prossegue o estudo – é preciso fomentar um quadro regulamentar mais "reactivo" necessário para reforçar a capacidade dos trabalhadores anteciparem a mudança.

Dito por outras palavras, a proposta parece ser esta: perante a dificuldade (cada vez maior diga-se) de os diversos países da UE conseguirem elevar os níveis de criação de emprego e estando a maioria dos países longe da "meta do pleno-emprego", a solução para reformar o mercado de trabalho europeu e atenuar os níveis de desemprego, passará pela protecção social pós-emprego, ou seja, no desemprego. E, de forma confrangedora, a CE parece transmitir a seguinte mensagem: facultar protecção no desemprego apresenta-se como alternativa preferível a facultar protecção no emprego. Assim, segundo a CE, torna-se conveniente ampliar as formas de flexibilizar ao nível da cessação contratual e, depois, proteger os cidadãos na eventualidade do desemprego.

Ora, este tipo de proposta suscita, de imediato, algumas perplexidades.

Uma prende-se com a inversão da lógica inerente às actuais políticas de emprego. Se até ao momento o grande protagonismo estava voltado para as políticas activas de emprego, agora as políticas passivas de emprego (que actuam a "jusante" no sistema de emprego) ganham protagonismo. Além do mais, os cidadãos passam a encarar a situações intermitentes de emprego/desemprego com "maior naturalidade" porque estarão mais "confortados" ao nível das prestações sociais de desemprego. Contudo, a este propósito, convém não ignorar a "lição" a colher das recentes legislativas suecas. A mensagem que o eleitorado sueco quis dar ao executivo cessante foi esta: preferimos a "actividade laboral" à "inactividade socialmente assistida" e preocupamo-nos, sobretudo, com a eficácia das políticas activas de emprego.

Outra respeita à sustentabilidade, a médio prazo, do Sistema Público de Segurança Social. Por exemplo, em Portugal este sistema – afectado pelo acentuado envelhecimento e pela diminuição tendencial da população activa, e pelo engrossar das fileiras de pensionistas e de desempregados – vê, progressivamente, crescer as suas despesas e, a contrário, diminuir as suas receitas. Segundo dados do Eurostat divulgados em 2005, em Portugal – entre 1994 e 2002 – a despesa em benefícios de protecção social, em particular em função da velhice, mais do que duplicou. A este ritmo – e considerando ainda a tendencial quebra de receitas resultante de uma reforma do mercado de trabalho que incremente os percursos profissionais intermitentes – a situação financeira do Sistema Público da Segurança Social no nosso país poderá ficar, irremediavelmente, comprometida.

Termino com a seguinte nota: o debate público sobre esta proposta avançada pela CE pode voltar a exigir que se reflicta – uma vez mais e de forma abrangente – sobre o futuro do Sistema Público de Segurança Social em Portugal. Se as medidas implementadas pelo Governo do José Sócrates em 2005 e 2006 no sentido de promover uma reforma estrutural da Segurança Social demonstram clarividência e preocupação em assegurar a sustentabilidade do Sistema Público no curto, no médio e no longo prazo, então é preciso que – em nome da defesa do Estado Social – se assegure que outras não comprometerão o efeito útil do conjunto das iniciativas já adoptadas.

Enfim, uma vez mais, fica a sensação de que – e não obstante os objectivos propostos em 2000 na Estratégia de Lisboa que visam elevar até 2010 os níveis de qualidade e de quantidade de emprego na UE (alcançando o pleno-emprego) – em áreas sociais a CE prioriza uma abordagem quantitativa a uma abordagem qualitativa.

Professora Universitária

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