Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

Uma narrativa simples

E agora até temos o Hollande. Ele já disse que vamos poder gastar como antes. Eurobonds, BCE a comprar dívida, vamos ter muito, muito dinheiro. Os franceses dizem que podemos gastar e os alemães pagam. Tudo resolvido. A festa vai voltar em breve.

A narrativa simples vende sempre mais que o mundo complexo. As elites gostam, o povo agradece. Agora graças ao jornalismo nacional sabemos que o mundo se divide entre quem quer crescimento, emprego, redistribuição de riqueza e felicidade generalizada e quem quer austeridade, desemprego, concentração de riqueza e desgraça alheia. Os bons e aos maus. Em democracia, os maus - os neoliberais - só ganham porque mentem e enganam.

Primeira mentira: os maus dizem que as tais políticas de crescimento e emprego (isto é, o aumento do gasto público) não funcionam porque foram aplicadas durante dez anos pelos bons e a economia portuguesa cresceu zero (tal como a grega e a italiana e até a espanhola se descontarmos a bolha imobiliária). Falso. Simplesmente o gasto público foi insuficiente. Se duplicarmos ou triplicarmos o gasto público, a economia crescerá 3% ou 4%. A austeridade pela austeridade é uma maldade. Precisamos de gastar mais que nunca para crescer. Em vez de ter contas públicas equilibradas, o que precisamos é um défice nos 10-15% do PIB. Isso sim é gastar para crescer.

Depois os maus dizem que não há dinheiro para gastar, os mercados não emprestam, os alemães não dão, os bancos estão sem liquidez. Também tudo falso; uma segunda mentira. Primeiro, como bem disse o anterior primeiro-ministro, as dívidas não são para pagar, mas para ir pagando muito devagarinho. Como nunca pagaremos, mas sempre adiando e enrolando os credores, claro que podemos aguentar taxas de juro de 10%. Não há necessidade nenhuma de andar metido num memorando de entendimento com o FMI porque evidentemente Portugal pode financiar-se nos mercados financeiros ao juro que seja. Isto enquanto a Merkel manda. Depois, na Primavera de 2013, vamos ter os alemães a pagar a bem (porque eles gostam de pagar mais impostos para financiar o crescimento e o emprego em Portugal) ou a mal (com uma adequada chantagem pelos países do Sul de rebentar a Zona Euro se não pagam). E agora até temos o Hollande. Ele já disse que vamos poder gastar como antes. Eurobonds, BCE a comprar dívida, vamos ter muito, muito dinheiro. Os franceses dizem que podemos gastar e os alemães pagam. Tudo resolvido. A festa vai voltar em breve.

De loucos? Absolutamente. Mas é a narrativa que vai ganhando terreno. Ganha eleições na Grécia. Domina muito do pensamento publicado na imprensa portuguesa. Ninguém explica como as mesmas políticas que estagnaram a economia portuguesa vão agora resolver os problemas estruturais do crescimento. Ninguém explica quem vai pagar ou financiar esse gasto público. Até dizem que a troika anda cá para nos tirar o dinheiro quando, sem a troika, simplesmente não haveria dinheiro. Mas o eleitorado gosta do facilitismo e da conversa mole (depois queixam-se que os políticos mentem). De uma forma ou outra, isto não vai acabar nada bem, mesmo nada bem.

Professor de Direito da University of Illinois
nuno.garoupa@gmail.com
Assina esta coluna mensalmente à quinta-feira


Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio