Opinião
Um justo reconhecimento
Índia. Estado de Tamil Nadu. Madurai. Uma das zonas mais carenciadas do país. Quase tudo falta e as condições reconhecidas como mínimas para a dignidade da condição humana só pontualmente são conseguidas.
É no meio desta envolvente que nasceu um projecto que, hoje, dá forma e substância a uma história extraordinária, em que um sistema de cuidados de saúde é auto-sustentado, há três décadas, optimizando todos os recursos que consegue obter, mantendo o espírito e a força presentes na sua génese.
Estamos a referir-nos ao Aravind Eye Care System que, hoje, é um conjunto de hospitais, centros comunitários e campos de visão, onde existem unidades de formação e de investigação, além de núcleos de produção de material médico e cirúrgico.
O hospital oftalmológico ali está, de portas abertas, acolhendo as cerca de 2 mil pessoas que, diariamente, recorrem aos seus serviços. Não existem listas de espera e não é preciso marcar antecipadamente para ser atendido. Todos terão a oportunidade de ser observados, assistidos, medicados, intervencionados, acompanhados por equipas médicas, de enfermagem e de assistência. Muitas vezes, são os próprios técnicos que vão às aldeias, à procura de quem precisa de ser ajudado a ver. E quem não pode pagar – é o caso da maioria – é tratado com os recursos que o hospital obtém de quem paga.
Tudo começou em 1976, quando o fundador, Venkataswamy, médico oftalmologista, começou a concretizar o seu sonho de devolver a visão aos que a tinham perdido. E, desde então, movido por um puro ideal de serviço, o Sistema por si preconizado cresceu, aperfeiçoou-se, estendeu a sua actividade a todos os domínios que contribuem para a saúde dos olhos e, desta forma, para a melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Investiga, permanentemente, mecanismos que permitam prestar mais e melhores cuidados. Produz o material de que necessita, resultado da sua própria pesquisa, que permitiu, por exemplo, dispor de lentes intra-oculares, usadas para tratar cataratas, que custam 20 vezes menos do que no mercado onde antes eram adquiridas. Dispõe dos mais modernos meios tecnológicos, das mais sofisticadas formas de controlo de produtividade.
Não desperdiça um minuto do trabalho qualificado que os médicos oftalmologistas foram treinados para prestar. Sabe, a cada momento, quantas pessoas tratou, quantas estão nas suas instalações, quanto custa o que está a fazer. Programa minuciosamente o que faz, com base em registos detalhados.
As instalações são modestas, absolutamente desprovidas de quaisquer excessos ou ostentações. Insere na cultura dos que o compõem uma dimensão extramaterial, que advém da filosofia que o inspira.
Alia a espiritualidade que ali todos invocam a uma sofisticação na gestão de meios que o tornou num case-study em grandes universidades do mundo. E em exemplo, invocado e seguido em muitos outros lugares, dentro e fora da Índia.
Sobretudo, centra, na pessoa que serve, tudo o que faz. São já milhões os que vêem, hoje, porque existe o Aravind Eye Care System.
Vem tudo isto a propósito de um artigo que li recentemente – e no qual me baseei – a propósito da atribuição do Prémio de Visão, instituído pela Fundação Champalimaud.
Foi este o Projecto, foi esta a Causa, foi este o Sistema que a Fundação Champalimaud distinguiu com o seu primeiro Prémio de Visão. Um Prémio que, tendo o valor de 1 milhão de euros, vai permitir ao Aravind Eye Care System fazer ainda mais e fazer ainda melhor.
As duas instituições estão de parabéns: uma pela dedicação ao próximo e pelo notável trabalho realizado, a outra pela análise realizada e pelos critérios adoptados.
Para quem observa à distância, como é o meu caso, a Fundação cumpre, assim e da melhor maneira, a sua Missão e, em simultâneo, honra, pela acção, a memória de quem a instituiu. Um justo reconhecimento?