Opinião
Turismo SA
A importância crescente da Internet, a redução dos custos de transporte e as alterações nas preferências dos consumidores estão a conduzir a uma profunda mutação da paisagem do cluster turístico.
Um pouco em contraciclo com a conjuntura económica, o sector do turismo tem revelado recentemente uma dinâmica de investimento que surpreende pela positiva.
Como sempre acontece nestas circunstâncias, há quem ligue o «complicómetro» e só veja nuvens negras no horizonte. Uns revelam, porventura, excesso de ambição e clamam que, em vez de sermos a Florida da Europa, mais valia optarmos pelo modelo de desenvolvimento da Califórnia. Outros revelam preocupações, legítimas, de sustentabilidade ambiental que não me parecem, de todo, inconciliáveis com um novo modelo de desenvolvimento do turismo. Para já não falar naqueles que revelam alguma nostalgia industrialista, contrapondo o declínio relativo do emprego e do produto na indústria transformadora, nomeadamente nos sectores tradicionais, com o dinamismo revelado pelos serviços.
Penso que a dinâmica recente no turismo é um bom sinal. Desde logo, o turismo exibe características que o consagram como um dos protagonistas mais adequados para uma alteração progressiva e gradual do nosso padrão de especialização: trata-se de um sector produtor de bens transaccionáveis, gerador de empregos, indutor de uma ampla cadeia de fornecimentos de bens e serviços nacionais e onde Portugal dispõem de tradição e vantagens comparativas inquestionáveis (saber-fazer, competências acumuladas, condições naturais e ambientais, entre outras).
Importa também não ignorar que o nosso modelo de desenvolvimento do turismo está parcialmente esgotado: excessiva especialização na actividade turística do tipo «sol & praia», forte sazonalidade, baixo gasto médio por turista e opções por soluções ambientalmente insustentáveis. É necessário apostar em novos projectos empresariais que ofereçam produtos turísticos posicionados num segmento da cadeia de valor gerador de maior valor acrescentado, que possam funcionar a contraciclo com a ocupação balnear, que permitam gerar receitas médias mais elevadas, que viabilizem uma certa diversificação da actividade turística e que sejam menos consumidores de recursos naturais e ambientais.
Para além da alteração do modelo de funcionamento do sector turístico, uma estratégia de diferenciação do produto turístico deve ter, naturalmente, presente as profundas alterações nas preferências dos consumidores à escala global. A conjugação destes dois factores sugere que, a par da requalificação progressiva do «sol & praia», se procure diversificar a oferta para novos segmentos com uma procura muito dinâmica à escala global: «sénior/ saúde», «negócios/short breaks», turismo náutico, golfe, estágios desportivos , entre outros.
A organização empresarial do cluster turístico não pode (nem está, naturalmente) alheia às profundas reestruturações gobais de que o sector tem sido protagonista.
Os operadores turísticos funcionaram, durante muitos anos, como grossistas cujo papel essencial era proceder a estruturação do package turístico: viagem, hotel, transferências, etc. Por sua vez, as agências de viagem operavam como retalhistas mais a jusante da cadeia de valor, tendo como principal missão distribuir os packages aos consumidores.
A importância crescente da Internet, a redução dos custos de transporte e as alterações nas preferências dos consumidores estão a conduzir a uma profunda mutação da paisagem do cluster turístico. Na fase de transição está a assistir-se a um certo colapso da configuração tradicional do cluster e a uma certa canibalização dos diferentes actores ao longo da cadeia de valor.
Com a Internet, as agências de viagens perderam o «monopólio» (isto é, a exclusividade) do contacto com os consumidores. Os hoteleiros, os transportadores e os próprios operadores turísticos (para já não falar de novos entrantes como é o caso das agências online) fizeram «by-passes» e substituíram, pelo menos parcialmente, as agências de viagem. As agências de viagem perderam importância embora continuem a ter um mercado dedicado.
Os próprios operadores turísticos perderam a exclusividade do mercado grossista. Em reacção a esta situação, uma vaga de sucessivas operações de aquisições e fusões conduziram a que a quota dos cinco maiores operadores na União Europeia passasse de 35%, em meados dos anos 1990, para mais de 70% em 2002.
Apesar de se ter assistido à relevância crescente das cadeias internacionais de hotéis, o aumento do grau de concentração na indústria hoteleira está a ser um processo gradual e muito menos expressivo; as grandes cadeias internacionais de hotéis apenas representam entre 10% e 20% da oferta. No entanto, existem sinais claros de que o processo de concentração vai ter continuidade e, porventura, até reforçar-se nos próximos anos.
Esta profunda reestruturação do sector turístico global vai ter reflexos relevantes no cluster turístico português, não devendo ser perspectivada como uma ameaça mas, sobretudo, como uma oportunidade para o reposicionar num novo patamar em que o aumento da dimensão e a adopção de modelos de organização mais complexos e inovadores e a aposta em nichos de mercado e na diferenciação serão a palavra de ordem no futuro próximo.