Opinião
Tributação: a “arte de tirar a um ganso o máximo de penas com o mínimo de barulho”
O OE 2020 acaba, assim, por ter um impacto mais simbólico do que estrutural.
Do ponto de vista da política fiscal, o Orçamento do Estado para 2020 pretende promover políticas fiscais que, de acordo com o relatório apresentado pelo Governo, visam dar resposta a vários desafios, os demográficos, as alterações climáticas, o combate às desigualdades e a transformação digital.
Para dar resposta aos desafios referidos o Governo lançou políticas de apoio às famílias, às empresas e ao investimento, ao desenvolvimento de uma fiscalidade ambiental e às políticas públicas.
Estas medidas políticas e desagravamentos foram distribuídas por medidas constantes dos diversos códigos fiscais. No IRS uma isenção parcial com progressividade para sujeitos passivos que não sejam considerados dependentes com idades entre os 18 e os 26 anos. Na prática representa uma poupança fiscal que não excederá os 1.800 euros em três anos. Do mesmo modo, as deduções à coleta do IRS atribuídas aos agregados familiares com mais de dois dependentes que não ultrapassem os 3 anos de idade até 31 de dezembro do ano a que respeita o imposto, passam de 126 euros para 300 euros.
Estas medidas são compensadas com um aumento da base tributável no caso dos rendimentos auferidos ao abrigo do regime do alojamento local quando sujeitos ao regime simplificado, onde a base tributável aumenta dos 35% do rendimento bruto para os 50% nas zonas de contenção (alteração acompanhada pelo regime simplificado no IRC). Pode parecer até justo, contudo devemos considerar que o alojamento local não é uma atividade passiva como o arrendamento e que é uma atividade que contribuiu para a reabilitação dos centros das cidades.
O que é "dado" com uma mão depressa é retirado com duas. Desagravam-se uns e agravam-se outros num país em que os rendimentos acima de 80.000 euros são tributados a taxas bastante elevadas.
Mas nem tudo é mau para os sujeitos passivos que exploram bens imobiliários, ainda que peque por defeito. Como medida de fomento ao arrendamento, apesar de, cada vez mais, desvirtuar a estrutura dogmática do Código do IRS, assinala-se a exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias resultantes da desafetação de um imóvel da atividade empresarial quando o imóvel seja afeto imediatamente à obtenção de rendimentos prediais. Contudo, poder-se-ia ter ido mais longe e, eventualmente, terminar com a presunção de venda dos imóveis quando estes regressam à esfera particular do empresário.
No IRC, o estímulo de 400 euros às PME (pelo alargamento da matéria coletável sujeita à taxa reduzida de 17%, de 15.000 euros para 25.000 euros), e de 450 euros para as PME em territórios do interior são medidas sonantes quando ouvimos falar em percentagens e bases tributáveis, mas que são pouco expressivas no dia a dia.
Do lado ambiental, como seria de esperar, aumentam-se os Impostos Especiais sobre o Consumo, em especial o ISV e o IUC, deixando os automóveis ligeiros de passageiros que utilizam exclusivamente o GPL de beneficiar de uma taxa intermédia. Se, de acordo com a frase atribuída a Colbert, a tributação é a "arte de tirar a um ganso o máximo de penas com o mínimo de barulho", as preocupações ambientais na tributação automóvel, são sempre uma boa forma de calar um ganso que já de si não faz muito barulho e se encontra quase sem penas.
No fundo o desenho do OE traduz-se em benefícios pouco expressivos, alguns com latitude de interpretação considerável, e que acabam por, na prática, ser esbatidos com aumentos de impostos em outras áreas.
O OE 2020 acaba, assim, por ter um impacto mais simbólico do que estrutural, devido à necessidade de manutenção do esforço de consolidação orçamental.
Não obstante todo este cenário, há alterações de pormenor importantes, como a autonomização da isenção de Imposto do Selo aos contratos de gestão centralizada de tesouraria, bem como a clarificação de que a isenção de Imposto do Selo aplicável a operações de reorganização societária se aplica mesmo quando há trespasses, contrariando aquilo que, mal, vinha sendo defendido pela Autoridade Tributária.
Estas medidas e alterações de pormenor são extremamente bem-vindas por evitarem contencioso.