Opinião
Três factores-chave da inovação
Como deixei referido há quinze dias inovar é, antes do mais, um processo de transformação e ruptura que afecta organizações, negócios e sistemas. A capacidade de inovação de uma sociedade está associada a muitos factores e não existem soluções standard ap
Como deixei referido há quinze dias inovar é, antes do mais, um processo de transformação e ruptura que afecta organizações, negócios e sistemas. A capacidade de inovação de uma sociedade está associada a muitos factores e não existem soluções standard aplicáveis.
Mas há três factores de inovação que são determinantes da maior ou menor capacidade de regeneração de uma sociedade ou de uma organização. Falo do grau de profundidade dos mercados, da educação e da atitude do estado.
Mercados dinâmicos e eficientes indispensáveis à inovação
Nos anos 20 do século passado a taxa de substituição de companhias no índice S&P era de 1,5% ao ano. Isto é, os novos membros do índice permaneciam, em média nesse mesmo índice, mais de 65 anos.
No final do século XX, a taxa de substituição passou para 10%, o que quer dizer que o tempo médio de permanência no S&P reduziu-se para apenas 10 anos. É o que Peter Drucker alcunhou de idade da descontinuidade. As companhias não mais estão nos negócios: as companhias têm que lutar por permanecer nos negócios sob pena de serem desalojados por novos entrantes. Como Schumpeter referia: "Normalmente analisamos o problema de como o capitalismo administra as estruturas existentes, quando o problema relevante é o de como este as cria e destrói".
Este é o mecanismo por excelência do processo de inovação: a existência de um mercado aberto e concorrencial sem barreiras nem entraves à concorrência que estimula a criatividade e a inovação.
O que quer dizer que a primeira palavra de ordem da inovação é a redução do intervencionismo estatal e a criação de estruturas flexíveis de adaptação do sistema às novas realidades. Aqui, mais uma vez, caímos no que a Europa - ou melhor os actuais dirigentes europeus - teme fazer: liberalizar mais e mais os mercados de trabalho, produtos e serviços, acabar com os proteccionismos de toda a ordem e eliminar a lógica do "garantismo" dos direitos adquiridos e da conservação, para a vida, do posto de trabalho.
Inovar só é possível se nos adaptarmos aos paradigmas do século XXI: o tempo de vida útil dos produtos, das empresas e, por conseguinte, dos empregos, diminuiu drasticamente e só será possível sobrevir e inovar se introduzirmos mais e mais liberdade a todos os níveis do sistema económico e social.
A actual dinâmica de globalização e os níveis de liquidez disponíveis nos mercados financeiros permitem, como nunca antes, que um pequeno país como Portugal possa rapidamente inverter o seu atraso económico e tecnológico. Mas para isso é indispensável a adopção de políticas macroeconómicas orientadas para a promoção da concorrência empresarial e dos mercados, introduzindo políticas fiscais competitivas - nomeadamente via redução de impostos sobre o rendimento - liberalizando as leis do trabalho, reduzindo drasticamente a burocracia e a corrupção e simplificando os processos de criação e encerramento de empresas.
Um recente estudo do McKinsey Global Institute ("Mapping the Global Capital Market") concluía que a profundidade e dimensão dos mercados de capitais atingiu níveis sem precedentes com um valor dos activos financeiros superior a 136 triliões de dólares e que atingirá mais de 228 triliões em 2010. O mais significativo é que o valor destes activos era de apenas 12 triliões de dólares em 1980!
O crescimento dos mercados financeiros verifica-se em todas as regiões, ainda que a China e a Europa de Leste apresentem as taxas de crescimento mais elevadas.
Um elemento interessante deste estudo é que é na Europa e no Japão que o peso do mercado accionista no total dos fluxos financeiros é mais baixo. O peso nos EUA e no Reino Unido é de 34% e 37% respectivamente. A China e Índia já têm mercados accionistas que representam 35% e 26% dos mercados financeiros. Na Europa da zona euro e no Japão o segmento de acções representa apenas 22% e 19% respectivamente.
Educar para o mérito e a competitividade
A questão da educação é também vital para dotar um país de capital intelectual, capaz de suportar os processos de inovação e investigação.
O exemplo da Finlândia é sempre utilizado como paradigma de um país que soube dar a volta e passar a ser líder de inovação e de investimento em I&D.
Mas, muitas vezes - particularmente para os que querem ter sol na eira e chuva no nabal - apenas se conta uma parte da história de sucesso da Finlândia. Há um ano, a conversar com um responsável, de origem finlandesa, de uma grande instituição financeira internacional coloquei-lhe a questão que sempre se nos coloca quando se analisa o exemplo finlandês: "como foi possível?". E a resposta foi: "Foi possível porque tivemos uma grave crise económica e social após a queda do regime comunista na União Soviética que nos obrigou a repensar toda a lógica de funcionamento da sociedade finlandesa". Ou seja, o sucesso finlandês atingiu-se passando por uma fase de enorme desconforto social em que se quebraram tabus e velhos dogmas e se introduziram mecanismos muito mais exigentes de responsabilidade individual e de promoção do mérito.
É esse o caso da educação. Em meados dos anos 80 os estudantes finlandeses tinham uma performance nos exames de ciências ao nível da média da OCDE. Actualmente a Finlândia é o líder em performance no ensino superior na zona da OCDE.
Tal foi conseguido porque nos anos 80 foi introduzida uma profunda reforma do ensino que acabou com o sistema burocrático e desresponsabilizador que caracteriza grande parte do sistema de ensino europeu. Essa reforma passou pela descentralização do sistema de ensino e pela adopção de um sistema de avaliação da performance dos professores e das escolas na formação dos alunos. Isto é: de um sistema de ensino promotor da mediocridade passou-se a um sistema gerador de uma cultura de mérito e de competitividade.
Quando vemos os resultados dos exames dos alunos portugueses nas cadeiras científicas e o nivelamento pelo facilitismo do nosso sistema de ensino, vale a pena interrogarmo-nos sobre qual será o futuro de Portugal daqui a umas décadas se este panorama não for radicalmente alterado com coragem e determinação.
Um Estado minimalista mas com inteligência estratégica
O papel do Estado em questões de inovação e I&D é determinante. No caso dos EUA são exemplares o papel do programa Apollo (viagem à Lua) que suportou todo o processo de miniaturização originando a revolução informática e tecnológica que ainda vamos vivendo e o caso da Internet que começou por ser uma rede militar de distribuição e processamento de informação.
O problema é determinar com rigor qual o papel do Estado neste domínio. A meu ver este deverá funcionar principalmente como o facilitador e delineador estratégico dos grandes desígnios de um país deixando à iniciativa privada e empresarial a produção de soluções que respondam aos objectivos traçados. Isto é, como referi no último artigo, o Estado não deve produzir I&D: o Estado deve ser um consumidor de I&D, estimulando o sector privado e promovendo redes de inovação que, no caso portuguêsm, tornem possível, por via da cooperação empresarial, ultrapassar o problema da pequena dimensão de muitas empresas.
Tive a oportunidade de conhecer alguns laboratórios do Estado quando desempenhei funções governativas. Conheci excelentes investigadores e interessantes projectos no INETI ou até no IGM. Porém, em muitos casos, esses projectos de investigação morriam na praia: mesmo que com resultados positivos, não eram transformados em soluções práticas ou de negócio que. É como se o exercício de investigação seja um fim em sim mesmo!
O papel do Estado na área da inovação e I&D em Portugal tem que mudar nessa matéria: acabar com a transferência de fundos sem fim à vista e passar a: promover as capacidades de I&D do sector privado, abandonando os projectos de Estado que se auto-alimentam sem resultados benéficos para a sociedade.
Na Finlândia 80% do esforço de I&D é realizado pelo sector privado. É esse o único caminho que Portugal pode seguir.