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02 de Junho de 2006 às 13:59

Timor, a terra de onde a ONU saiu cedo demais

A ONU tem uma deplorável prática corrente, procura baixar os custos das suas missões para valores insuficientes e avalia sempre com optimismo as situações em que está envolvida precipitando o momento da retirada.

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Timor-Leste é o caso mais recente e porventura o mais paradigmático do comportamento das Nações Unidas, muito em especial do Conselho de Segurança. Timor era considerado um verdadeiro caso de sucesso da ONU. Na verdade, a Organização contou com meios financeiros e militares totalmente adequados às circunstâncias quando promoveu o referendo que levou à Independência, as eleições que se seguiram e as forças militares e militarizadas necessárias à implementação e manutenção da paz.

Na altura tive oportunidade de escrever contra uma retirada prematura das forças que garantiam a segurança do território. Era, como se vê, evidente que a ameaça não provinha unicamente das milícias, apoiadas pela Indonésia e sabe-se lá por quem mais. A ameaça que subsistiria (subsistiu) após a eleição de um Parlamento de um Governo, decorria da inexperiência administrativa e governamental, da ausência de uma Forças Armadas treinadas e disciplinarmente consolidadas, o mesmo se aplicando às forças policiais. Os militares portugueses, das Forças Armadas ou da GNR deram exemplo da sua capacidade e da sua utilidade ao serviço de uma Política Externa.

A Comunidade Internacional em geral, e as potências regionais em particular, estavam envergonhadas pelo seu silencio cúmplice à ocupação e aos amplamente noticiados massacres sobre o povo timorense. Pagavam para que o episódio fosse apagado da História dos Povos.

O Conselho de Segurança, e outros altos funcionários da ONU - e aqui Kofi Annan passa incólume - tiveram contudo a habitual pressa de dar a missão por concluída, transformá-la numa missão simbólica e simultaneamente reduzir as despesas das nações Unidas. Os défices parecem ter-se tornado uma obsessão!

Kofi Annan nas últimas semanas não enjeitou as responsabilidades da ONU. Apresentou ao Conselho de Segurança, com apoio de quatro dos Cinco Permanentes, uma proposta para a manutenção por mais um ano da missão simbólica da ONU e vou aprovada, por proposta dos EUA, uma prorrogação por um mês «para avaliação». Annan, em final de mandato acabou por ir mais longe após os confrontos para admitir que havia agora necessidade de avaliar se existia ou não uma retirada «demasiado rápida» das forças de manutenção de paz. O secretário-geral fez a sua autocrítica admitindo a existência de uma «tendência para deixar as zonas de conflito demasiado rapidamente».

O envolvimento da ONU não pode continuar a ser encarado como uma intervenção de curto prazo, como um gel para tapar o furo no pneu. Existem diversas componentes na intervenção, mas a manutenção de paz é o chapéu sob o qual as agências da ONU, as novas Administrações, os Governos de novos países deveriam actuar.

Em Chipre a ONU está envolvida há décadas e não se vislumbra uma retirada sem que tenha havido uma solução política estável. No Kosovo a ONU tem responsabilidades na administração do território, e não tem prazo.

No caso de Timor-Leste seria primário atribuir responsabilidades apenas à ONU. Mas não podem ser ignoradas. Sobretudo porque em Timor-Leste já se conhecia o obvio: não existiam quadros suficientes para a administrar o território; não havia um Exército organizado em moldes convencionais, não havia uma força policial.

Havia por outro lado uma quase certeza: petróleo. A independência, as eleições, um novo Governo criaram legítimas expectativas aos timorenses. O petróleo está em fase primária e a sua extracção - pelos australianos - não traz postos de trabalho em Timor onde não existem instalações para o processar. O gás natural é bombeado directamente para a Austrália, e sem bem que o acordo possa ser favorável a Timor-Leste os grandes beneficiários estão nos Território do Norte da Austrália. De resto não é por acaso que a Ilha Continente enviou tropas para Timor «rapidamente e em força», contingente que foi sem prazo de regresso e pode ser reforçado a qualquer momento. Tropa que, queixam-se os timorenses, age tarde, lentamente e sem convicção. Tropa que se mantêm à margem da população, uma atitude pouco integracionista e que não contribui para acalmar ânimos se não pelo medo, e este é relativo. Não admira pois que ponham tantas esperanças na GNR que com um atitude de proximidade mas com firmeza dialogou e interveio com eficiência, sem desnecessária violência.

O crédito de Timor-Leste, por muito que isso possa desagradar a Mari Alkatiri, Primeiro-ministro e líder incontestado da Fretilin, tem dois nomes: Xanana Gusmão e José Ramos-Horta. Xanana, guerrilheiro, líder militar e popular; José Ramos-Horta intelectual, a face de Xanana e da guerrilha timorense no estrangeiro onde não teve vida fácil. Alkatiri aproveitou a ausência do homem de confiança de Xanana nas Forças Armadas, Mata Ruak, para ordenar ao seu número dois, a expulsão das Falintil de um conjunto de homens que se haviam, fruto do descontentamento, deixado arrastar por um oficial superior educado e treinado pelos australianos. Eram companheiros de Xanana. O Presidente ficaria mais isolado não fosse o seu prestigio generalizado. Alkatiri foi incapaz de gerir os auxílios externos e gerar recursos internos, postos de trabalho, riqueza. José Ramos-Horta, ao mesmo tempo seu ministro dos Negócios Estrangeiros mas homem de confiança de Xanana, por quem tem uma inegável lealdade não poupou as críticas ao PM. Um PM que entrou em rota de colisão com o seu Presidente obrigando-o a assumir responsabilidades em matéria de Defesa e Segurança.

A um ano de eleições Mari Alkatiri, recentemente saído vitorioso de uma eleição para a liderança da Fretilin - em lista única - recusa afastar-se e num momento de crise opta por confrontar o Presidente, o homem com o prestígio necessário para suster ou controlar a situação até que as forças multinacionais de tenham instalado.

Uma nota final para fechar o círculo. Xanana Gusmão pediu apoios externos no «âmbito de acordos bilaterais» por uma razão, segundo explicou numa carta do Conselho de Segurança: «O envolvimento de uma força da ONU seria demasiado lento». O Conselho de Segurança implicitamente aceitou esta crítica dando cobertura, através de uma declaração do presidente que apoiou o envio de tropas estrangeiras para o território.

Estes pedidos são negociados caso a caso antes de serem tornados públicos. Portugal apenas pôde disponibilizar uma companhia de GNR. Respeitáveis militares sem dúvida. As quase inexistentes Forças Armadas portuguesas encontram-se empenhadas em missões de paz em territórios que nada dizem aos portugueses. Seria de recordar que foi sob o comando do actual general Lima Pinto, pára-quedista, que em Timor as infiltrações e a guerrilha foram controladas... por tropas portuguesas. Também Lisboa deveria repensar as suas prioridades.

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