Opinião
Strauss-Kahn e a esquerda hipócrita
Dominique Strauss Kahn viu agora ser-lhe retirada a acusação de violação de uma empregada de hotel em Nova Iorque.
Dominique Strauss Kahn viu agora ser-lhe retirada a acusação de violação de uma empregada de hotel em Nova Iorque. Na madrugada de Maio, DSK - como é conhecido em França - foi preso já dentro do avião quando se preparava para voltar a Paris. Algemado, um dos homens mais poderosos do mundo, director do FMI e possível candidato dos socialistas franceses às eleições Presidenciais em 2012, compareceu em tribunal sob suspeita de vários crimes sexuais sobre uma guineense, Nafitossou Diallo. A juíza de serviço decretou a prisão preventiva por risco de fuga. Desde esse dia até agora, o caso tem vindo a desfazer-se, tendo o procurador agora optado por desistir de levar o caso a tribunal.
Há muito a lamentar neste caso. Por exemplo, o circo mediático que se montou à volta de DSK, onde foi julgado e condenado quase instantaneamente pela opinião pública mundial. Como é lógico, o acesso dado aos media para relatarem em directo todas as fases do processo lesa o bom nome e a imagem daqueles que não foram ainda sequer formalmente acusados. Além disso, houve um conjunto de decisões precipitadas que foram tomadas pelo procurador de Nova Iorque Cyrus Vance que poderão ter prejudicado o desenrolar do processo.
Mas mais ainda, este constitui um estudo de caso bem revelador sobre preconceitos políticos. Em primeiro lugar, o anti-americanismo primário de muitas crónicas que li, deste lado do Atlântico, condenando à partida o sistema judicial americano e sua mediatização (mas ainda não li nada desses mesmos cronistas penitenciando-se agora que os tribunais americanos afinal deixam DSK livre de todas as acusações).
Ou a forma despudoradamente hipócrita com que alguma esquerda imediatamente se pôs do lado do homem, totalmente indiferente, desde a primeira hora, perante as acusações da suposta vitima. Não seria uma mulherzinha guineense que iria acabar com uma liderança "iluminada" como a de DSK no FMI, ou travar uma potencial derrota de Sarkozy nas eleições Presidenciais. Essa fidelidade programática e ideológica acima de todos os factos é deplorável, especialmente quando espezinha princípios e valores básicos de direitos humanos.
Por isso, e ainda do ponto de vista político, surpreende a forma como o Partido Socialista francês se congratula com o regresso de DSK à política activa francesa. Segundo o "New York Times", desde Martine Aubry a François Hollande, ambos candidatos à Presidência francesa, todos estão "imensamente aliviados" com este "feliz desfecho".
Mas qual feliz desfecho? É importante que se saiba as razões pelas quais o caso não seguiu para a frente. Não foi porque se tenha determinado que DSK não cometeu nenhum crime, ou porque se tenha conseguido esclarecer que Diallo, a alegada vítima, mentiu sobre a sua violação. O que aconteceu foi simplesmente que o procurador considerou que teria muita dificuldade em convencer um júri da veracidade da versão de Diallo dos acontecimentos, "para além de qualquer dúvida". Embora haja provas da relação sexual entre ambos e ainda relatórios médicos que provam a violação (produzidos pela defesa), também é verdade que a alegada vítima mentiu sobre vários outros assuntos.
O depoimento de Diallo era pois em parte falso, mas ao longo destes meses a credibilidade de DSK também ficou muito danificada - pelo processo semelhante lançado pela escritora Christiane Banon, ou pelas notícias de uma funcionária do FMI que terá sido assediada sexualmente por Strauss-Kahn. Sendo que não havia testemunhas, o caso iria sempre depender da credibilidade relativa dos dois. Nesta fotografia, ninguém fica bem: entre um homem habituado ao direito de pernada, e uma mulher acostumada a mentir em todo o tipo de situações.
A política merece melhor, e no final de contas parece haver uma moral no "affaire Strauss-Kahn". Ganha a justiça americana que teve a honestidade de reconhecer que não tinham um caso suficientemente forte contra DSK. E perdem os vários personagens desonestos encontrados nesta história da qual não saíram impunes.
Politóloga
marinacosta.lobo@gmail.com
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Há muito a lamentar neste caso. Por exemplo, o circo mediático que se montou à volta de DSK, onde foi julgado e condenado quase instantaneamente pela opinião pública mundial. Como é lógico, o acesso dado aos media para relatarem em directo todas as fases do processo lesa o bom nome e a imagem daqueles que não foram ainda sequer formalmente acusados. Além disso, houve um conjunto de decisões precipitadas que foram tomadas pelo procurador de Nova Iorque Cyrus Vance que poderão ter prejudicado o desenrolar do processo.
Ou a forma despudoradamente hipócrita com que alguma esquerda imediatamente se pôs do lado do homem, totalmente indiferente, desde a primeira hora, perante as acusações da suposta vitima. Não seria uma mulherzinha guineense que iria acabar com uma liderança "iluminada" como a de DSK no FMI, ou travar uma potencial derrota de Sarkozy nas eleições Presidenciais. Essa fidelidade programática e ideológica acima de todos os factos é deplorável, especialmente quando espezinha princípios e valores básicos de direitos humanos.
Por isso, e ainda do ponto de vista político, surpreende a forma como o Partido Socialista francês se congratula com o regresso de DSK à política activa francesa. Segundo o "New York Times", desde Martine Aubry a François Hollande, ambos candidatos à Presidência francesa, todos estão "imensamente aliviados" com este "feliz desfecho".
Mas qual feliz desfecho? É importante que se saiba as razões pelas quais o caso não seguiu para a frente. Não foi porque se tenha determinado que DSK não cometeu nenhum crime, ou porque se tenha conseguido esclarecer que Diallo, a alegada vítima, mentiu sobre a sua violação. O que aconteceu foi simplesmente que o procurador considerou que teria muita dificuldade em convencer um júri da veracidade da versão de Diallo dos acontecimentos, "para além de qualquer dúvida". Embora haja provas da relação sexual entre ambos e ainda relatórios médicos que provam a violação (produzidos pela defesa), também é verdade que a alegada vítima mentiu sobre vários outros assuntos.
O depoimento de Diallo era pois em parte falso, mas ao longo destes meses a credibilidade de DSK também ficou muito danificada - pelo processo semelhante lançado pela escritora Christiane Banon, ou pelas notícias de uma funcionária do FMI que terá sido assediada sexualmente por Strauss-Kahn. Sendo que não havia testemunhas, o caso iria sempre depender da credibilidade relativa dos dois. Nesta fotografia, ninguém fica bem: entre um homem habituado ao direito de pernada, e uma mulher acostumada a mentir em todo o tipo de situações.
A política merece melhor, e no final de contas parece haver uma moral no "affaire Strauss-Kahn". Ganha a justiça americana que teve a honestidade de reconhecer que não tinham um caso suficientemente forte contra DSK. E perdem os vários personagens desonestos encontrados nesta história da qual não saíram impunes.
Politóloga
marinacosta.lobo@gmail.com
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