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Sobre o novo Orçamento

Sobre o próximo Orçamento de Estado está a ser estabelecida a ideia, errada e perigosa, de que a sua não aprovação criará um drama nacional.

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A ideia é perigosa porque subverte o normal processo democrático de que o Orçamento deve emergir, desequilibrando a necessária negociação e condicionando enviesadamente o seu resultado. E é errada porque assenta num pressuposto errado: de que sem Orçamento aprovado, o Governo não pode governar.

Começando pelo último ponto, se um novo Orçamento não for aprovado, o Governo será obrigado a governar com o Orçamento anterior, em regime de duodécimos. Quer isto dizer que, mensalmente, o Governo não poderá gastar mais do que 1/12 do limite de despesa aprovado para o ano anterior e que, se um novo Orçamento continuar sem aprovação até ao final do ano, o Governo não poderá gastar, em 2011, mais do que foi autorizado a gastar em 2010.

Mas mais: o Governo também não poderá contrair mais empréstimos (salvo para pagar os que se vençam), em montante superior ao que foi autorizado a contrair no ano anterior (com a mesma ressalva). E não pode mexer nos impostos. Tudo contemplado, significa que o défice orçamental não poderá aumentar e que, se a economia e a receita fiscal (e os preços) crescerem, será forçado a contrair-se.

Por conseguinte, o Governo pode governar, embora com menos liberdade de acção do que aquela de que gostaria. Por isso, o risco de não aprovação do Orçamento cria um incentivo muito forte para que negoceie o novo Orçamento com as oposições, pois que, para ganhar liberdade de acção, terá que ceder nas suas preferências; ou vice versa.

Quanto ao processo negocial, este é a norma num regime parlamentar onde o Governo não dispõe de maioria. É razoável que estes processos tenham alguns limites, como, por exemplo, que as iniciativas parlamentares no processo de negociação não possam aumentar a despesa, face à proposta do Governo, ou que cada proposta de acréscimo (líquido) de despesa seja obrigatoriamente acompanhada de uma proposta de receita (que não proveniente de empréstimos) em montante equivalente.


Mas é óbvio que, a partir do momento em que um Governo não disponha de maioria que lhe
O risco de não aprovação do Orçamento [de 2011] cria um incentivo muito forte para que [o Governo] o negoceie com as oposições.
permita impor as suas preferências no Orçamento a aprovar, terá que as negociar com as preferências do(s) partido(s) da oposição que possa(m) garantir a aprovação. E a sua margem de negociação será precisamente a que referi dois parágrafos acima, tendo como "base de recuo" o Orçamento do ano anterior. Tudo o que o colocar numa situação pior tenderá a ser rejeitado, enquanto que aquilo que possa melhorar a sua liberdade de acção poderá ser negociado.

Neste ano, em particular, poderá haver uma condicionante adicional: o défice de 2011 terá que ser forçosamente reduzido face ao de 2010, pelo que a manutenção do Orçamento de 2010 poderá não ser suficiente para conseguir esse desiderato. E mercados e analistas estarão particularmente vigilantes. Mas a redução pode ser conseguida aprovando apenas uma diminuição do limite de endividamento, o que forçará o Governo a reduzir a despesa face a 2010. E nada impede que se aprovem limites de endividamento para períodos curtos - trimestre, por exemplo - enquanto decorrem negociações para aprovar um novo orçamento. Ou que o Governo se comprometa publicamente a gastar abaixo do limite do Orçamento de 2010.

Agora, estando basicamente em jogo a redução do défice através de duas vias alternativas - subida de impostos ou redução da despesa - é preciso que se perceba que dramatizar a não aprovação do novo Orçamento estará a enviesar o processo negocial em favor da primeira via.
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