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Tendências e expectativas

Mais do que prever acontecimentos específicos, importa identificar as principais tendências que, muito provavelmente, irão marcar e condicionar os acontecimentos do novo ano.

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1. Implicações geoestratégicas do reajustamento da ordem mundial. Os EUA, potência ainda dominante num mundo em transição para uma ordem multipolar (potencialmente mais instável, por natureza), têm visto a sua posição desafiada em várias frentes, pelo que, tendo capacidades naturalmente limitadas, terão que prioritizar os seus objectivos estratégicos. Não é muito provável que, no actual quadro, a Europa se constitua na primeira prioridade. 

O novo presidente americano, se fizermos fé no que tem dito, já desvalorizou o interesse na Nato e avisou a Europa de que terá de assumir uma maior responsabilidade, nomeadamente financeira, com a sua própria defesa. O que tem, pelo menos, dois corolários. O primeiro, no domínio militar, implicará um reforço das capacidades da Alemanha (de que a História não guarda boas memórias).

O objectivo dos responsáveis para 2017 parece ser torná-lo num hiato decisório. Veremos se a realidade aquiesce ou desafia tal objectivo.

Continua abundante o combustível para alimentar uma crise financeira.

Vítor Bento
O segundo, no campo económico, e porque envolverá a solicitação de mais recursos orçamentais para a defesa, criará uma dificuldade adicional para o chamado "modelo social", a que muito se tem devido a paz social na Europa. Dificuldade que acrescerá às duas substanciais dificuldades com que este já se defronta: o abrandamento do crescimento económico, tornando mais escassos os recursos disponíveis para distribuição, e o envelhecimento da população, que engrossa as necessidades redistributivas. O novo ano será influenciado por esta tendência, embora as suas principais consequências possam conseguir ser empurradas para os seguintes.

2. Contradições da integração europeia. A União Europeia vive, pelo menos desde Maastricht, numa contradição que ameaça a sua integridade. Impondo a integração monetária como destino obrigatório aos seus participantes, ao mesmo tempo que recusa a integração política que muitos consideram indispensável à viabilidade daquela, a UE parece ter-se colocado o desafio existencial equivalente a quadrar um círculo.

Contidos na primeira metade da existência do euro com a abundância de crédito (que alimentou substanciais desequilíbrios económicos e financeiros), os efeitos de tal contradição expuseram-se com a crise e a sua gestão, exacerbando tensões existenciais no processo de integração. O Brexit é o primeiro sinal concreto de desagregação. O ciclo eleitoral no eixo franco-alemão, porém, não favorece as acções necessárias à boa resolução desta contradição e das tensões que gera. O objectivo dos responsáveis para 2017 parece ser torná-lo num hiato decisório. Veremos se a realidade aquiesce ou desafia tal objectivo.

3. Frustração das expectativas de progresso social. A desaceleração da produtividade e com ela o significativo abaixamento do crescimento económico nas economias ditas avançadas, tem frustrado as expectativas de progresso social criadas pela memória recente das primeiras décadas do pós-guerra e alimentadas pela propaganda política e pelo marketing do consumo. Acresce a frustração de muitos segmentos sociais destas economias com os resultados da globalização, que sendo universalmente vantajosos, lhes são particularmente desfavoráveis. Estas frustrações traduzem-se politicamente em descontentamento social, contestação do establishment e procura de representação nas margens populistas, com a consequente radicalização e instabilidade das sociedades políticas. Fenómenos que irão marcar 2017, influenciando as eleições que se avizinham e favorecendo as tendências protecionistas e de valorização dos casulos político-sociais.

4. Excesso de poupança mundial. A taxa de poupança mundial deu um salto considerável nos primeiros anos do novo século. Incapaz de ser absorvida internamente pelo investimento produtivo nos países que a originaram, uma boa parte acabou exportada na forma de excedentes externos e inundou os mercados financeiros de recursos que alimentaram uma orgia de dívidas, défices e artifícios que descambou na crise financeira. Apesar da crise, tal excesso não foi resolvido. Não havendo investimento produtivo que o absorva, continua reflectir-se em desequilibrantes excedentes externos e abundante liquidez que inflaciona, sem sustentação real, os activos financeiros e a alimenta stocks de dívida há muito considerados insustentáveis. O que significa que continua abundante o combustível para alimentar uma crise financeira.

5. Recuperação económica. Como em economia tudo o que desce acaba por subir, é natural que, depois de uma crise profunda, as economias europeias continuem a recuperar e a favorecer o crescimento. E embora este seja fraco e não permita recuperar o rendimento que a crise fez perder, a memória é curta e valoriza mais as perdas recentes, pelo que este desenvolvimento animará certamente a psicologia colectiva e favorecerá a recuperação de algum optimismo.
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