Opinião
Salvar o euro
Os desequilíbrios económicos e financeiros acumulados pelas economias periféricas da zona euro estão hoje no centro das atenções dos mercados e dos analistas financeiros, tendo-se constituído numa séria ameaça, não só à sua estabilidade económica e social...
Os desequilíbrios económicos e financeiros acumulados pelas economias periféricas da zona euro estão hoje no centro das atenções dos mercados e dos analistas financeiros, tendo-se constituído numa séria ameaça, não só à sua estabilidade económica e social, mas também à própria sustentabilidade da união monetária.
Em condições "normais", este seria um problema exclusivamente do âmbito de cada um dos países em causa e seria nesse âmbito apenas que teria que ser resolvido. Mas as condições actuais não são "normais". Por um lado, vive-se uma crise internacional, com grandes fragilidades financeiras e um estado de geral debilidade económica nos países ditos desenvolvidos e, particularmente, na Europa. Por outro lado, com este contexto e tratando-se de um problema que afecta simultaneamente vários países, ainda que em diferentes graus, o seu ajustamento simultâneo tem significativas implicações sistémicas, que podem comprometer as condições de crescimento de toda a zona euro e ameaçar a sua sustentabilidade.
Além disso e embora cada um dos países em causa seja o principal responsável pela situação com que se confronta, há também uma parcela, nada despicienda, de responsabilidade das autoridades europeias a quem cabe o governo económico do euro. Estas não actuaram como deviam, e quando deviam, tal como lhes era exigido pelo Tratado e regulamentação complementar, na monitorização dos equilíbrios económicos e das regras de disciplina financeira e na coordenação das políticas. E tiveram, no mínimo, uma complacente tolerância (ou cultivada ignorância) para com práticas contabilísticas, ou de engenharia financeira, com que agora se querem mostrar indignadas. Não podem deixar, pois, de ser tidas como co-responsáveis pelas crises que deixaram germinar e inchar até aos níveis de difícil sustentabilidade, com que hoje todos estamos confrontados.
Por tudo isso, o problema destes países tornou-se também num problema colectivo da zona euro - pois que, como ensina a dialéctica hegeliana, a acumulação de quantidade produz mudanças de qualidade -, de cujas consequências ninguém sairá ileso.
Sendo, pois, um problema simultaneamente individual e colectivo, a sua solução também terá que ser encontrada simultaneamente nos dois planos. Ao nível individual, cada país terá que pôr a respectiva casa em ordem e assegurar, por si, a sustentabilidade da sua dívida pública (explícita e implícita). E isto só pode ser feito internamente por cada um dos países.
Mas ao nível colectivo têm que ser asseguradas as condições para que o efeito inevitavelmente recessivo dos ajustamentos orçamentais e económicos, que os países em causa terão que efectuar, em simultâneo, num período relativamente reduzido e num contexto de deprimida procura mundial, se não torne numa espiral contraccionista. Espiral essa que, por um lado, poderá anular o impacto dos ajustamentos (ou exigir a sua insustentável exponenciação) e tornar a situação ainda mais insustentável, e, por outro lado, pode contagiar toda a zona euro, remetendo-a novamente para a recessão.
Para prevenir essas consequências, é necessário que os países em melhor situação financeira - contas públicas e contas externas - actuem compensatoriamente em sentido inverso, estimulando a sua procura interna. E, aqui, o principal papel tem que ser desempenhado pela Alemanha e, dada a sua elevada propensão a poupar, o estímulo necessário será mais eficaz se vier do aumento da despesa do que da redução dos impostos.
Mas a questão é ainda mais complicada e esta coordenação de políticas poderá não ser suficiente. Para além dos desequilíbrios que colocaram a "periferia do euro" em estado de emergência financeira, o principal problema destas economias - e a maior dificuldade ao seu ajustamento financeiro - é a perda de competitividade acumulada. Esta, não só constitui um poderoso, e dificilmente transponível, travão ao seu crescimento, como pode ser um obstáculo ao sucesso dos estímulos da procura acima referidos. De facto, se estes países não tiverem capacidade competitiva para internalizar o "compensatório" aumento da procura, esta acabará parcialmente externalizada para países terceiros.
Por conseguinte, a solução do problema da competitividade das "economias periféricas" terá que estar também na primeira linha dos ajustamentos necessários, pois que sem isso dificilmente essas economias conseguirão resolver os demais problemas. E muito mais difícil, e socialmente penoso, será o ajustamento financeiro a que não podem fugir.
Não sendo expectável um dramático aumento da sua produtividade, a única forma de estes países reganharem competitividade no curto prazo é através de uma deflação relativa: isto é, e simplificadamente, os seus preços (e custos laborais) terão que baixar relativamente aos preços (e custos laborais) médios da zona euro. Com preços estáveis na zona euro, isto só pode ser feito com uma deflação absoluta (i.e. redução de preços e salários) nas economias periféricas. O que social e politicamente não será fácil, além do efeito recessivo que poderá induzir (em cima do outro).
Mas, mais uma vez, o problema como hoje se coloca é também um problema com sérias consequências sistémicas e susceptível de desencadear uma espiral contraccionista na zona euro. Pelo que, tal como o outro problema, todos ganharão se lhe for encontrada uma solução colectiva que previna essas consequências. E a única solução colectiva possível é promover a deflação relativa destas economias, inflacionando as restantes.
O que implica a conjunção de duas disponibilidades. De um lado, a do BCE para deixar inflacionar a zona euro (acima dos 2% que são a sua referência superior). E, de outro lado, a dos países debilitados, para assegurar um estrito controlo de preços nos seus sectores não transaccionáveis, não permitindo que estes acompanhem a inflação da zona euro (a concorrência internacional encarregar-se-á de "controlar" o sector transaccionável).
Admitindo que haveria vontade de lidar com estes dois problemas ao nível colectivo, como aqui se refere (o que está muito longe de ser adquirido), a grande dificuldade reside na coordenação (temporal) das duas soluções. Pelas razões expostas, a solução do problema financeiro arrisca-se a não produzir os efeitos necessários, sem a solução do problema da competitividade. E este problema dificilmente dispõe, no actual contexto de "excesso de oferta/capacidade" que caracteriza actualmente a economia mundial e a europeia, das condições necessárias à aplicação da "solução colectiva".
É nestas circunstâncias, e só nestas, que se pode justificar o recurso ao financiamento comunitário às economias debilitadas. Para lhes dar tempo a não forçar o primeiro ajustamento, sem que estejam presentes as condições de pôr em prática o segundo.
Mas tudo isto só faz sentido no âmbito de uma estrita coordenação das políticas comunitárias (cuja ausência efectiva deixou que as coisas chegassem onde chegaram) e num estrito planeamento (sim, planeamento!) do processo e das etapas do ajustamento global. E, claro, se houver a conjunção necessária das vontades políticas para o efeito.
Sem isso... tal com das bruxas, é preciso não descrer dos milagres.
Em condições "normais", este seria um problema exclusivamente do âmbito de cada um dos países em causa e seria nesse âmbito apenas que teria que ser resolvido. Mas as condições actuais não são "normais". Por um lado, vive-se uma crise internacional, com grandes fragilidades financeiras e um estado de geral debilidade económica nos países ditos desenvolvidos e, particularmente, na Europa. Por outro lado, com este contexto e tratando-se de um problema que afecta simultaneamente vários países, ainda que em diferentes graus, o seu ajustamento simultâneo tem significativas implicações sistémicas, que podem comprometer as condições de crescimento de toda a zona euro e ameaçar a sua sustentabilidade.
Por tudo isso, o problema destes países tornou-se também num problema colectivo da zona euro - pois que, como ensina a dialéctica hegeliana, a acumulação de quantidade produz mudanças de qualidade -, de cujas consequências ninguém sairá ileso.
Sendo, pois, um problema simultaneamente individual e colectivo, a sua solução também terá que ser encontrada simultaneamente nos dois planos. Ao nível individual, cada país terá que pôr a respectiva casa em ordem e assegurar, por si, a sustentabilidade da sua dívida pública (explícita e implícita). E isto só pode ser feito internamente por cada um dos países.
Mas ao nível colectivo têm que ser asseguradas as condições para que o efeito inevitavelmente recessivo dos ajustamentos orçamentais e económicos, que os países em causa terão que efectuar, em simultâneo, num período relativamente reduzido e num contexto de deprimida procura mundial, se não torne numa espiral contraccionista. Espiral essa que, por um lado, poderá anular o impacto dos ajustamentos (ou exigir a sua insustentável exponenciação) e tornar a situação ainda mais insustentável, e, por outro lado, pode contagiar toda a zona euro, remetendo-a novamente para a recessão.
Para prevenir essas consequências, é necessário que os países em melhor situação financeira - contas públicas e contas externas - actuem compensatoriamente em sentido inverso, estimulando a sua procura interna. E, aqui, o principal papel tem que ser desempenhado pela Alemanha e, dada a sua elevada propensão a poupar, o estímulo necessário será mais eficaz se vier do aumento da despesa do que da redução dos impostos.
Mas a questão é ainda mais complicada e esta coordenação de políticas poderá não ser suficiente. Para além dos desequilíbrios que colocaram a "periferia do euro" em estado de emergência financeira, o principal problema destas economias - e a maior dificuldade ao seu ajustamento financeiro - é a perda de competitividade acumulada. Esta, não só constitui um poderoso, e dificilmente transponível, travão ao seu crescimento, como pode ser um obstáculo ao sucesso dos estímulos da procura acima referidos. De facto, se estes países não tiverem capacidade competitiva para internalizar o "compensatório" aumento da procura, esta acabará parcialmente externalizada para países terceiros.
Por conseguinte, a solução do problema da competitividade das "economias periféricas" terá que estar também na primeira linha dos ajustamentos necessários, pois que sem isso dificilmente essas economias conseguirão resolver os demais problemas. E muito mais difícil, e socialmente penoso, será o ajustamento financeiro a que não podem fugir.
Não sendo expectável um dramático aumento da sua produtividade, a única forma de estes países reganharem competitividade no curto prazo é através de uma deflação relativa: isto é, e simplificadamente, os seus preços (e custos laborais) terão que baixar relativamente aos preços (e custos laborais) médios da zona euro. Com preços estáveis na zona euro, isto só pode ser feito com uma deflação absoluta (i.e. redução de preços e salários) nas economias periféricas. O que social e politicamente não será fácil, além do efeito recessivo que poderá induzir (em cima do outro).
Mas, mais uma vez, o problema como hoje se coloca é também um problema com sérias consequências sistémicas e susceptível de desencadear uma espiral contraccionista na zona euro. Pelo que, tal como o outro problema, todos ganharão se lhe for encontrada uma solução colectiva que previna essas consequências. E a única solução colectiva possível é promover a deflação relativa destas economias, inflacionando as restantes.
O que implica a conjunção de duas disponibilidades. De um lado, a do BCE para deixar inflacionar a zona euro (acima dos 2% que são a sua referência superior). E, de outro lado, a dos países debilitados, para assegurar um estrito controlo de preços nos seus sectores não transaccionáveis, não permitindo que estes acompanhem a inflação da zona euro (a concorrência internacional encarregar-se-á de "controlar" o sector transaccionável).
Admitindo que haveria vontade de lidar com estes dois problemas ao nível colectivo, como aqui se refere (o que está muito longe de ser adquirido), a grande dificuldade reside na coordenação (temporal) das duas soluções. Pelas razões expostas, a solução do problema financeiro arrisca-se a não produzir os efeitos necessários, sem a solução do problema da competitividade. E este problema dificilmente dispõe, no actual contexto de "excesso de oferta/capacidade" que caracteriza actualmente a economia mundial e a europeia, das condições necessárias à aplicação da "solução colectiva".
É nestas circunstâncias, e só nestas, que se pode justificar o recurso ao financiamento comunitário às economias debilitadas. Para lhes dar tempo a não forçar o primeiro ajustamento, sem que estejam presentes as condições de pôr em prática o segundo.
Mas tudo isto só faz sentido no âmbito de uma estrita coordenação das políticas comunitárias (cuja ausência efectiva deixou que as coisas chegassem onde chegaram) e num estrito planeamento (sim, planeamento!) do processo e das etapas do ajustamento global. E, claro, se houver a conjunção necessária das vontades políticas para o efeito.
Sem isso... tal com das bruxas, é preciso não descrer dos milagres.
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