Opinião
Segurança Social: a reforma inadiável
O documento do Orçamento do Estado para 2006 inclui, nos Anexos, um Relatório sobre a Sustentabilidade da Segurança Social. Este relatório apresenta cenários de evolução da conta financeira do Subsistema Previdencial até 2050 com o objectivo de avaliar o
O exercício é importante porque interessa saber como vão ser financiadas, no futuro, as prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos do trabalho, sob a forma de subsídios ou de pensões. Deste relatório importa reter duas informações: em primeiro lugar, o subsistema previdencial apresentou, em 2004, um défice por razões que são conhecidas: estagnação do crescimento económico, agravamento do desemprego, aumento do número de pensionistas e também da pensão média. Em segundo lugar, o cenário de crescimento económico de longo prazo, que supõe um crescimento anual do PIB real de 2%, da produtividade de 2,1 % e a inclusão das medidas, entretanto tomadas, aponta para que o Subsistema Previdencial, após esgotamento do Fundo de Estabilização Financeira ( FEFSS), entre em desequilíbrio financeiro crescente a partir de 2015 inclusive.
Independentemente da verosimilhança das hipóteses de crescimento que estão subjacentes ao cenário, há uma leitura que deve ser, desde já, feita destas duas informações: a conta corrente do subsistema está, no limite, deficitária e o equilíbrio só poderá ser mantido à custa da afectação de receitas do IVA e da utilização do Fundo de Estabilização. Face às incertezas que pairam sobre a economia e o mercado de trabalho, o horizonte de 2015 pode muito bem ser antecipado de alguns anos, o que levaria a uma utilização cada vez mais significativa de receita fiscal para financiar as despesas em pensões e subsídios. Esta situação não é sustentável em Portugal, como também não o é na maior parte dos Países da União Europeia. A reforma é, pois inadiável.
Perante a inviabilidade financeira do modelo actual as alternativas que se colocam resumem-se no seguinte: alterar de forma profunda o sistema actual ou tentar, através de medidas mais ou menos incrementais, prolongá-lo por mais uns anos até que se torne insustentável o seu financiamento por impostos.
A estratégia dos governos tem sido, quer à direita quer à esquerda, de introdução de reformas parcelares, algumas de índole correctora outras nem por isso, para manter a ilusão da sustentabilidade financeira do sistema. Esta estratégia não conduz a uma solução duradoira quando se sabe que, em condições demográficas de aumento significativo da esperança de vida, como é o caso, tanto o modelo de repartição como o de capitalização não garantem, a prazo, a sustentabilidade financeira. Não se trata pois de trocar um sistema de repartição por um outro de capitalização, mas de conceber um sistema que se adapte às novas condições do mercado de trabalho, do crescimento económico e do aumento da esperança de vida. Ao contrário do que muitos afirmam, a justificação para mudar o sistema de Segurança Social em Portugal, não resulta deste ser excessivamente protector – ao contrário, a distribuição das pensões é muito assimétrica – mas porque adiar a sua inevitável reforma vai implicar não só custos orçamentais importantes, mas também a possibilidade do objectivo de solidariedade ser esquecido, quando deve ser uma das características essenciais da Segurança Social. Os custos orçamentais poderiam ser mais reduzidos se os montantes do Fundo de Estabilização forem utilizados para gerir um período de transição e, não para colmatar défices correntes a partir de 2008.
O paradigma da solidariedade constitui um elemento de clivagem entre soluções de esquerda e soluções de direita, na medida em que organiza as formas de perequação e de redistribuição dos rendimentos entre gerações, o que supõe, também, opções diferentes por formas de financiamento das pensões. Ao contrário da tendência actual em que mais solidariedade tende a manifestar-se no seio de grupos homogéneos, de cariz profissional e corporativo, um futuro sistema de segurança social não pode prescindir da solidariedade numa sociedade que é cada vez mais heterogénea. Há também que separar, de forma clara, a solidariedade intra-gerações da solidariedade inter-gerações. Enquanto a primeira é essencial para conceber as políticas de protecção social e de saúde e o seu financiamento depende do orçamento corrente, a segunda baseia-se nas contribuições individuais obrigatórias que podem ser geridas, como no sistema sueco, combinando formas de repartição e de capitalização. Em qualquer circunstância, as soluções do tipo individualista ou de grupo não devem inviabilizar uma solução colectiva para a sociedade, da mesma forma que um sistema pode ser moralmente muito justo, mas se é inviável economicamente, de pouco vale.