Opinião
Salários da China e investimento em Portugal
As declarações do ministro da Economia evidenciando o facto de os baixos salários portugueses, relativamente à União Europeia, constituírem um atractivo para os investimentos chineses em Portugal provocaram uma histeria geral de difícil aceitação.
Comentadores e responsáveis políticos, sindicais e das associações patronais, das mais diversas orientações, comungam nas críticas ao enunciado duma evidência: no estado actual da economia e da sociedade portuguesa é pertinente a referência ao nível relativo dos nossos salários na formulação da política de captação de investimentos estrangeiro.
Torna-se verdadeiramente difícil compreender este coro.
As associações patronais, que tão violentamente reagem ao mais leve movimento ascendente dos nossos salários, sentiram-se agora também incomodados. Será porque temem que a concorrência dos eventuais investimentos chineses na disputa pelos trabalhadores de baixos salários - provocando a sua subida - os obrigue a realização de investimentos em processos tecnologicamente mais avançados ?
Os responsáveis sindicais terão receio que os investimentos chineses venham, pela via das mudanças no mercado de trabalho, provocar o aumento dos salários mais baixos, desiderato que aqueles não têm conseguido por privilegiarem na sua acção aspectos de natureza política ?
Os analistas, que tão frequentemente apelam nos seus relatórios à moderação salarial para não agravar a débil competitividade portuguesa, sentem-se agora envergonhados. Mas como será possível atingir salários elevados com a moderação salarial repetidamente reclamada ?
Os argumentos apresentados nestes últimos dias para criticar as declarações do Ministro da Economia sobre as vantagens salariais da economia portuguesa na captação do investimento chinês não resistem à análise económica mais elementar.
O investimento estrangeiro proveniente de empresas dos países em vias de desenvolvimento (PVD), embora represente ainda um parcela pequena do IDE total, tem vindo a registar crescimento acentuado. Em 2005 as firmas multinacionais (FMN) provindas dos PVD empregavam seis milhões de trabalhadores, ou seja, mais de 10% da força de trabalho empregue por todas as FMN, de todas as origens. Cinco das 100 principais FMN têm sede nos PVD; entre aquelas cinco empresas, duas são chinesas: a Hutchison Whampoa e o CITIC Group. Por outro lado, se considerarmos o conjunto das cem principais FMN dos PVD, verificamos que metade são chinesas.
No futuro próximo, o crescimento das FMN chinesas atingirá proporções apreciáveis. Esta previsão é suportada quer na extrapolação das tendências recentes, quer na análise das motivações das empresas chinesas.
As FMN chinesas procuram, sobretudo, ultrapassar as barreiras comerciais impostas em todo o mundo aos produtos produzidos na China. Não faz, portanto, sentido comparar os salários portugueses com os salários chineses. Essa comparação é irrelevante para o que está em causa. As FMN chinesas, como é evidente, não vem para o Europa à procura de salários competitivos com os salários chineses. O que interessa é a comparação entre os salários portugueses e os dos países do espaço comercial da União Europeia, no qual as FMN chinesas têm interesse em penetrar através do investimento directo. Nesse sentido, tem relevância e deve fazer parte da política de promoção do país junto das empresas chinesas, avançar o argumento da existência, de facto, de salários baixos em Portugal. Essa referência parece ferir algumas sensibilidades que gostariam de jogar ao faz de conta oferecendo algumas promessas do tipo choque tecnológico. Mas os negócios não se fazem com programas de governo avançados ou discursos voluntaristas. Fazem-se com a realidade dos factos, por mais duros e amargos que eles sejam. Infelizmente, muitos preferem ainda belas promessas e tratariam com mais simpatia o anúncio de mais um qualquer plano para encantar as almas.
O investimento das FMN dos PVD em Portugal tem um espaço apreciável para crescer. O país está pouco presente entre os locais de localização daquelas empresas. Cerca de 64% das 100 principais FMN de todo o mundo têm presença em Portugal, o que nos coloca num aceitável 22º lugar na lista das 35 principais localizações; mas se forem consideradas as 100 principais FMN dos PVD, verificamos que estas empresas têm uma presença no país de natureza residual, ao contrário do que ocorre com outros países de média dimensão como a Holanda, a Áustria, a Dinamarca ou a Suécia os quais registam presença forte de FMN de todas as origens.
O argumento dos baixos salários relativos para atrair o investimento estrangeiro não poderá ainda ser dispensado, mesmo junto de FMN provenientes de países com salários muito inferiores aos portugueses.