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03 de Setembro de 2003 às 10:53

“Road map” para o “hara-kiri”

Crescer não é preocupação sua mas das empresas, disse o primeiro-ministro na “rentrée”. O Governo encontrou assim o seu “road map” para o “hara-kiri”. E nós ficamos em situação de “layoff” governativo.

Por Eduardo Moura

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A questão essencial que Portugal tem em cima da mesa, a mais premente, a mais indiscutível e consensual é a do crescimento económico. Todas as outras questões lhe estão mais ou menos subordinadas. Seja a reforma da administração pública, seja a educação, seja o défice, seja o que for, tudo está subordinado ao crescimento económico. Não é preciso relembrar estafadas discussões sobre economia política do desenvolvimento. Não é preciso convocar os neo-clássicos. Simplesmente, não é razoável aceitar discutir o principal fundamento da economia industrial. O desenvolvimento económico acontece em cima do crescimento. A melhoria das condições de vida, o aumento da produtividade, os progressos sociais acontecem a partir do crescimento económico. O crescimento económico é, para além das vontades, a única via para todas as outras coisas. O Japão sabe bem o que é viver sem crescimento. Nos últimos 10 anos este tema marcou a política interna e externa do país e tornou-se numa indiscutível obsessão nacional. E assim, do mesmo modo que nas universidades se estudam os tigres asiáticos e se tenta explicar o sucesso económico do Japão, também se estuda a estagnação japonesa. Os EUA, mal perceberam que a sua economia não estava a crescer, deram tudo o que tinham e o que não tinham para inverter a situação. Esmagaram, quase à velocidade da luz, as taxas de juro. Deram a volta, ainda que deficientemente, à política fiscal. Inventaram dinheiro que não tinham para subsidiar alguns dos mais desfavorecidos. E até há quem diga que a guerra no Médio Oriente existe também para aumentar a sua actividade económica. A Alemanha e a França, cada uma por seu lado, mas as duas numa verdadeira sintonia, trataram de inverter as prioridades nacionais e condicionar os acordos internacionais mal perceberam que estavam com um sério problema de desaceleração. Os acordos de estabilidade com os seus pares da União ficaram secundarizados perante a necessidade extrema de promover o crescimento económico. Até a Espanha, nesta matéria comportando-se simetricamente, é exemplo de que com crescimento há estabilidade e melhoria das condições sociais. Que o diga Aznar, o único político europeu que vive à sombra do sucesso económico e se dá ao luxo de escolher as circunstâncias e o momento para passar a pasta de líder a um sucessor. E poderíamos continuar a fazer um périplo por todos os países do mundo que não retiraríamos diferente conclusão. Seja pela via do paradigma monetarista ou pela via do keynesianismo, seja nas economias mais planificadas ou nas mais desreguladas, o crescimento económico é um valor universal. Melhor: é o tabu de todos os tabus da economia. Não se discute quando acontece e não se escamoteia quando desacontece. Um governo nunca tem de se justificar por um crescimento exagerado e não há primeiro-ministro que não tenha de pôr a cabeça no cepo quando a economia pouco cresce. Por isso, a questão essencial que Portugal tem em cima da mesa é, sem dúvida, a do crescimento económico. É este o problema a que Durão Barroso e o Governo têm de responder com diligência. E com sabedoria. O Governo tem de responder ao problema, em primeiro lugar, mostrando a sua determinação em resolver o assunto. Tornando-o prioritário. Enunciando quais as matérias que, por força das circunstâncias, lhe passaram a estar subordinadas. Por exemplo, abdicando de certos compromissos internacionais, renegociando os compromissos, mostrando e procurando convencer os seus parceiros da importância do desígnio. Depois, em segundo lugar, o Governo tem de produzir alterações orçamentais e, a mais das vezes, tem de produzir legislação nova. Alterações orçamentais no orçamento do ano corrente e, sobretudo, tem de preparar um orçamento de estímulo ao crescimento para o ano seguinte. Sobretudo quando a conjuntura internacional é desfavorável. Quando não se pode contar com a desvalorização da moeda nem com a dinâmica dos países importadores para impulsionar as exportações. Quando é difícil atrair investimento estrangeiro porque até esse se apresenta escasso. Finalmente, em terceiro lugar, o Governo, qual administração de uma complexa “holding” de meio milhão de empresas, tem de promover o consumo dos particulares, das empresas e, paradoxalmente, do público. Até conseguir o relançamento da economia. Ora, Durão Barroso e Ferreira Leite preferem cumprir as regras do pacto de estabilidade do que as regras do pacto de crescimento. Por isso cortam no investimento do orçamento deste ano e preparam-se para o emagrecer ainda mais no orçamento de 2004. Crescer não é preocupação sua mas das empresas, disse o primeiro-ministro na “rentrée”. O Governo encontrou assim o seu “road map” para o “hara-kiri”. E nós ficamos em situação de “layoff” governativo.

Eduardo Moura, Subdirector

Artigo publicado no Jornal de Negócios

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