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14 de Dezembro de 2010 às 11:41

Reestruturação já!

Na semana passada, a página inicial do Brookings Institution tinha como manchete "A Europa a caminho do terceiro mundo".

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O irónico é que a UE é o maior e um dos mais sólidos espaços do mundo, sob o ponto de vista económico e financeiro, no entanto, aquela profecia poderá vir a concretizar-se caso os políticos e os banqueiros europeus continuem as suas manobras dilatórias à espera que os problemas se vão resolvendo por si, enquanto, ao contrário, eles se vão agravando em ondas sucessivamente maiores.

A melhor coisa que até hoje se escreveu sobre a crise europeia veio de Berkeley, é o artigo de Barry Eichengreen, "Europe's Inevitable Haircut", claro, curto e preciso (ver project-syndicate). Em países sem moeda própria, limitados à desvalorização interna, esta não vai resolver nada sem a reestruturação das dívidas públicas e, essa reestruturação, vai ter implicações pesadas na banca, cuja recapitalização tem de ser encarada em simultâneo, sob risco de o sistema ruir como um todo. Em termos resumidos é este o teor do referido artigo.

A origem de todo este enorme problema foi a maneira como a Europa decidiu reagir na primeira fase da crise mundial, "a crise é um problema americano, nós não temos activos tóxicos e por isso o problema resume-se a uma falta de liquidez momentânea, fruto da crise nos USA". E como o problema era apenas americano, só se tomaram medidas para melhorar a liquidez e nada de significativo se fez no sentido de melhorar a solvência, que entretanto tinha sido fortemente afectada e continuou a deteriorar-se dia após dia.

A tradição europeia de uma contabilidade "mais flexível" que a americana tem a vantagem de que dá para esconder muita coisa debaixo do tapete por algum tempo. No entanto, esconder por longos períodos elefantes debaixo do dito tapete começa a ser cada dia mais difícil, e cada vez que um dos elefantes se mexe os mercados agitam-se, crescentemente nervosos (estranhamente!) .

E assim, como o problema era americano, estamos hoje numa situação muito pior que a do outro lado do Atlântico. Grande parte dos nossos bancos está descapitalizada, ao que se junta o facto de que, ao contrário dos USA, onde parte importante dos estragos da bolha imobiliária foram absorvidos pelas agências federais, no nosso caso aqueles estragos continuam orgulhosamente nos balanços dos bancos à espera de melhores dias.

Mas na verdade ninguém quer encarar o problema de fundo que cresce de dia para dia: os países ricos fartos de pagarem os vícios dos pobres, os pobres desconfiados dos ricos, a banca tentando empurrar ilusoriamente os problemas, transferindo para as dívidas públicas já impagáveis todos os podres que pode, num processo em que o bolo aumenta todos os dias e cada vez é mais difícil de solucionar. Tudo num jogo de faz de conta em que, a troco de ganhos ilusórios de curto prazo, todos simulam acreditar na solvibilidade da outra parte. Até ao inevitável desenlace final.

Estamos a viver os últimos tempos da oportunidade para resolver a crise sem perder totalmente o controle dos acontecimentos, o que a acontecer, para além de devastar a Europa, terá repercussões mundiais difíceis de calcular. Resolver quer dizer fazer em simultâneo uma grande operação de reestruturação das dividas públicas e de capitalização da banca, signifique isso o que significar.

Recentemente falou-se muito das eurobonds como parte da solução do problema das dívidas públicas, compreensívelmente a reacção alemã foi fortemente contrária. No entanto, sejam eurobonds sejam outros instrumentos garantidos por outras entidades, a solução não pode afastar-se muito daí, só que para as tornar palatáveis só existe uma forma: estabelecer que todos os países que convertam parte da respectiva dívida em eurobonds terão de ficar impedidos de aceder directa ou indirectamente a qualquer outro financiamento para além dos estabelecidos nos respectivos planos de reestruturação. É limitação de soberania? É! Existe outra saída? Não vejo.

Todo este problema tem sido abordado apenas na óptica do bombeiro, sem soluções nem para as estruturas destruídas nem para os danos colaterais. Na verdade, a procura das soluções de longo prazo começa pela definição da percentagem máxima do PIB de cada país devedor que poderá realisticamente ser afectada ao serviço da dívida (2%, 3%, ?). Dessa resposta, e da análise da composição de cada dívida, dependerá a definição dos termos em que as dívidas serão reestruturadas. Dessa reestruturação resultarão impactos substanciais sobre a banca. Quais serão esses impactos? Como resolver os problemas de solvência e liquidez dos bancos? Esse será o segundo conjunto de respostas e dele resultarão forçosamente alterações importantes na banca europeia.

É fácil? Claro que não é. Mas quando era fácil nada foi feito, agora não parece existir outro caminho, feliz ou infelizmente. Acreditar em Mário Draghi que, na sua campanha para o BCE, diz que as crises financeiras não têm soluções rápidas "it's a long war", é suicídio, esta não é uma crise normal num país normal.

Nos últimos tempos tem sido moda criticar Merkel por tudo e por nada, ela foi claramente a "má da festa". A minha opinião foi sempre contrária a essa ideia, desde o início do caso grego Merkel demonstrou ser a única bombeira profissional no meio do amadorismo voluntarista reinante. Agora está chegado o momento de Merkel demonstrar se é apenas essa bombeira escrupulosa, ou a estadista de que a Europa precisa.

Economista
http://socurtas.blogspot.com
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