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Racionalizar a Produção Legislativa em Portugal

A racionalização da produção legislativa em Portugal tem sido objecto de debate no contexto da reforma do Estado.

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Parece-me que um sistema integral de avaliação legislativa deveria incluir três componentes fundamentais: (i) Uma avaliação de encargos administrativos (o "Standard Cost Model" apresentado em Lisboa pela AIP em Dezembro último) que permita não só melhorar a contabilidade de custos administrativos como gerar dados para avaliações futuras mais sofisticadas; (ii) uma avaliação prospectiva de impacte (o método "Regulatory Impact Assessment" nas suas versões análise custo-benefício e análise económica complementar); e (iii) uma avaliação retrospectiva ou auditoria legislativa (a qual usualmente pede informação estatística abundante recolhida nas fases anteriores bem como a implementação de critérios quantitativos de acompanhamento).

Dada a importância destas avaliações bem como os habituais problemas decorrentes da sua implementação, em particular o grau de responsabilização política, parece-me indicado a existência de um departamento especializado ao mais alto nível com poderes acrescidos (tendo como exemplo a actual configuração britânica) que possa assegurar a qualidade, a transparência e a efectividade destas avaliações.

Infelizmente não dispõe Portugal neste momento desse sistema integral de avaliação (no que está acompanhado por muitos outros países da União Europeia, nomeadamente a Espanha). Se já anteriores governos tinham contemplado a necessidade de racionalizar a produção legislativa, o actual Governo prometeu ir mais longe nessa matéria e, mais importante, passar à prática. Contudo, tal como já manifestei por diversas vezes, o Programa Legislar Melhor (Resolução do Conselho de Ministros no. 63/2006) e o teste Simplex (o ponto 8a do preâmbulo da dita Resolução) não responderam de forma cabal. Para além das críticas metodológicas muito sérias que oportunamente fiz, por exemplo, na Revista da Ordem dos Advogados (em Junho de 2006) e num artigo com o Professor João Caupers publicado no Público a 31 de Março de 2006 (em clara oposição ao ponto 9 do preâmbulo da dita Resolução), falta a sistematização e formulação de um programa de avaliação integrado. Na verdade, pode-se dizer que o Programa Legislar Melhor na sua vertente Teste Simplex fez a unanimidade dos elogios na comunicação social, por um lado, e da crítica dos especialistas, por outro. As restantes componentes de um sistema integrado de avaliação legislativa são quase ignoradas (apenas mencionadas brevemente no ponto 4.2. da dita Resolução). A criação de uma unidade coordenadora ao mais alto nível está de facto prevista (o ponto 10 do preâmbulo de dita Resolução) mas é inconsequente na sua aplicabilidade (o ponto 8 da dita Resolução deixa em aberto o seu desenvolvimento no contexto do PRACE)

Esta situação reflecte-se no desempenho medíocre de Portugal no recente relatório preliminar da OCDE, "Quality Indicators of Regulatory Management Systems", apresentado em Dezembro de 2006 em Paris. Tendo adoptado formalmente as recomendações europeias, Portugal não apresenta respostas satisfatórias a questões práticas levantadas pela OCDE tais como como frequência da utilização do RIA na produção legislativa, obrigatoriedade do RIA na actividade legislativa, utilização de quantificação na avaliação prévia da legislação e dos actos administrativos, os benefícios quantificados devem justificar os custos da nova legislação, existência de controle de qualidade da análise económica independente, avaliação RIA dos efeitos da legislação no grau de concorrência, na abertura de mercados ou na dinâmica das pequenas empresas, avaliação económica retrospectiva, etc. Neste momento, a OCDE prepara um outro documento de natureza mais qualitativa sobre a avaliação económica de impacte em Portugal, entre outros países, e esperamos pela sua publicação.

Para mim, a única surpresa neste estado de coisas é a incapacidade dos sucessivos Governos para introduzir um sistema eficaz e eficiente de avaliação legislativa (é daquelas reformas que se faz por decreto sem grande necessidade de amplos consensos e negociações) e o total alheamento que a Assembleia da República, principal centro formal da produção legislativa no nosso ordenamento jurídico, tem em relação a este assunto (não existe uma única resolução do nosso Parlamento sobre o tema).

Na minha perspectiva, a solução para o actual estado de coisas passa por reconhecer as amplas insuficiências do Programa Legislar Melhor e copiar as melhores práticas da matéria. Evidentemente que subsistem restrições importantes à rápida implementação de um programa integrado de avaliação legislativa, nomeadamente recursos humanos especializados (que curiosamente o Programa Legislar Melhor parece dispensar) e uma orgânica governamental adequada. Contudo, penso que seria possível implementar o "Standard Cost Model" rapidamente, utilizando a Holanda ou a Dinamarca como exemplos. Numa segunda fase, poder-se-ia integrar o "Regulatory Impact Assessment" tendo a Grã-Bretanha como exemplo. A seu tempo, e com a disponibilidade de dados e metas quantitativas transparentes e adequadas, introduzir-se-ia a auditoria legislativa.

Um sistema integrado de avaliação legislativa de alta qualidade é indispensável à responsabilização política (a avaliação técnica não substitui a decisão política) e à qualidade da democracia. Iniciativas neste sentido vêm dar corpo a prioridades de cidadania que me parecem inadiáveis e que têm ganhos muito para além da mera dimensão económica.

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