Opinião
Quando Deus não apaga fogos
Portugal tem ou não inteligência para derrotar os incêndios? É que os incêndios têm sido, sobretudo, provocados pela ausência de planeamento florestal e, nessa medida, são as elites nacionais que estão em causa e não os incendiários.
Se a existência de inúmeros incendiários intencionais ou acidentais se prende com uma questão sócio-cultural também é verdade que a incapacidade das elites é outro fenómeno de mediocridade sócio-cultural.
Até agora, as elites nacionais não se têm entendido quanto à floresta nem quanto aos incêndios. A ausência desse entendimento comporta sérias responsabilidades sobre o fenómeno e convoca a urgência de uma estratégia nacional de longo prazo, de forma a tornar impossível continuar a conviver com um sistema em que o acaso e a sorte são a lei.
De facto, chegámos a um ponto em que é intolerável que uma espécie de impotência confrangedora cubra de cinzas a paisagem política. Não podemos continuar a aceitar que Portugal conte mais com Deus para apagar os seus incêndios do que com a ciência. Quando chove a área ardida encolhe e quando não o país transforma-se num braseiro de desperdício económico e de aflição. No meio ficam discursos e medidas quase sempre avulsas.
A questão decisiva não é assim se somos um país de incendiários, mas se temos ou não especialistas que consigam elaborar um plano eficaz e se temos ou não Governo que saiba estabelecer uma estratégia de médio e longo prazo.
E depois, e esta parece ser a angústia da actualidade, é preciso saber se especialistas e Governo se entendem quanto à política a seguir. Ou melhor, se se entendem quanto às prioridades.
Porque a verdade é que cada vez que Portugal estabelece objectivos concretos, assentes em compromissos sólidos e multi-governos, os planos são cumpridos com eficácia e com elevado desempenho. São já clássicos três exemplos: a disciplina monetária para a entrada no euro, a realização da Expo’98 e a realização do Euro 2004. Ainda que, no domínio do financiamento destas duas iniciativas, o exibicionismo tenha prevalecido sobre a prudência.
Pode parecer estranho que se compare a realização de um campeonato de futebol com a organização de um sistema florestal e com o combate aos incêndios. Mas não é.
Como demonstra o Plano Nacional de Defesa da Floresta elaborado pelo Instituto Superior de Agronomia, agora entregue ao Governo, deve estabelecer-se um paralelismo entre o Euro 2004 e a política florestal. Desde logo, ao nível dos custos. Estará Portugal disponível para gastar tanto em combate aos incêndios como gastou com o Euro 2004?
Ou pondo a questão de forma inversa. A redução da área ardida anualmente contribuirá positivamente para a imagem do país? As perdas anuais de floresta têm um valor económico que pode ser protegido com vantagem económica? As políticas que têm sido seguidas, as verbas que têm sido despendidas podem ser analisadas na óptica do custo-benefício?
Seremos ou não capazes de assumir o combate aos incêndios e a política florestal como projecto nacional e vencer? A resposta está nas mãos do Governo.