Opinião
Qualidade
Portugal foi e ainda é conhecido pela capacidade de improvisação das suas gentes. Para o bem pelo engenho que tal revela. E para o mal pela falta de capacidade organizativa que lhe está subjacente. Se conseguíssemos manter o engenho em alta e adquiríssemo
Uns quantos “estrangeirados”, habituados a essa capacidade organizativa e dotados de “genes” que não obstam àquele engenho do improviso conseguiram isso. E fizeram o “I3S”. O “I3S” resulta da junção de forças de três Institutos de Investigação de ponta – o INEB (Engenharia Biomédica), o IBMC (Biologia Molecular e Celular) e o IPATIMUP (Patologia e Imunologia Molecular). Cada um deles é, desde há muito, do melhor que há no mundo. Nenhum deles nasceu e viveu à sombra do Estado e qualquer deles tem uma carteira de pedidos vinda dos quatro cantos do planeta. Os seus responsáveis máximos estudaram e trabalharam muitos anos no estrangeiro e, por isso, têm uma visão do mundo e das coisas que não é deformada por egoísmos pequeninos. Decidiram unir esforços (nesta fase ainda sem se fundirem numa só entidade) e ganhar corpo para atingirem um objectivo: terem dimensão para concorrerem com qualquer unidade de investigação em qualquer parte do mundo e ganhar. Concorrerem sempre para o primeiro lugar. Ora isto é relativamente novo em Portugal. E é tanto de saudar quanto é certo que cada um deles podia permanecer confortável no seu lugar. Porque ao contrário de muitos outros que são pouco importantes à escala local, nada importantes à escala nacional e irrelevantes num plano internacional, estes são importantes no Porto, importantes em Portugal e importantes no mundo inteiro. Podiam deixar-se estar. Não quiseram. Quiseram e querem mais. Têm inegável qualidade, são conhecidos pela qualidade e querem ter ainda mais qualidade. Dá gosto poder escrevê-lo. Ainda por cima foram buscar para presidente da nova instituição Alberto Amaral (antigo reitor da UP) e que vem a ser uma das cabeças mais desempoeiradas deste país. Quando lhe perguntaram que metas tem respondeu sem hesitação que quer “competir internacionalmente e concorrer com facilidade aos grandes projectos europeus”. E, não fossem perpassar dúvidas sobre o que estava a dizer, rematou, referindo-se ao Porto: “ainda estamos habituados a ter empresas e indústrias que trabalham a pregar botões e a coser sapatos e isso morreu”. Ora aqui está como se muda de tempo, se muda de registo e se muda de escala sem precisar do Estado, sem os habituais queixumes nortenhos e sem as guerrinhas de capelas e outras circunstâncias tão portuenses e tão portuguesas. A nova instituição é, na verdade uma “prodigiosa aventura” (como lhe chamou Carlos Lage – um homem que lê, lê muito) e é nessa demanda a que se atreve que reside o encanto de quem é pioneiro e quer mais.
A nova instituição e o que ela representa reporta um outro país. Um país de enorme qualidade, de aturada exigência e de extraodinária ambição. É bom ter qualidade, é melhor ser exigente e ainda melhor ter ambição. Este país do “I3S” não tem nada a ver com o país onde técnicos de uma Comissão de Coordenação são supostamente pressionados para alterarem pareceres e estudos por causa de comboios. Não tem nada a ver com um país onde supostamente o actual PM assinou projectos que supostamente não foram elaborados por ele noutros e mais ao menos longínquos tempos. Não tem nada a ver com um país incompetente, descoordenado e de mentalidades maltrapilhas. E muito menos tem que ver com o “estado da arte” da política, tal qual se faz actualmente. E que é patética. Não, esta “prodigiosa aventura” tem que ver com a ambição nobre dos homens, com a qualidade de raras inteligências e com o melhor dos humanismos portugueses. Tem um só caminho: um extraordinário e belíssimo porto de abrigo.