Opinião
Proteger a Agatha
Foi consensualmente que a Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura aprovou e a Assembleia da República e o Presidente da República ratificarão a decisão de impor quotas de música portuguesa às programações das rádios.
Pelo que li e ouvi, mesmo quando se fala ou escreve contra essa decisão começa-se sempre com a ressalva de que a intenção é «louvável». Mas ninguém me explica por que carga d’água teremos nós de proteger a música portuguesa e erguer louvações às medidas que tenham esse fito. Até parece que se trata de uma auto-evidência.
Irmão que sou de um músico que, por acaso, até é português, não deixo de ser sensível à perspectiva de que alguns cidadãos nacionais venham a ter uns trocos a mais se as suas músicas forem transmitidas nas rádios. Mas o que dizem os que louvam as quotas não é que se trate de proteger os músicos, e sim a própria música portuguesa; que não se trata de proteger empregos, mas a própria cultura nacional e a lusofonia.
Se é assim, o que me parece auto-evidente é que a música (portuguesa ou não) precisa de defesa, sim, mas é contra essas pessoas, que a subalternizam, que a põem a serviço de interesses que lhe são estranhos, que enfiam no mesmo saco (o genérico saco português, neste caso) o que há de melhor e o que há de mais aviltante na criação musical.
Tenho muitas dúvidas de que a cultura nacional e a lusofonia tenham alguma coisa a ganhar com a emissão radiofónica das músicas da Agatha (que pode ser uma excelente criatura mas cujas músicas - e letras -, é forçoso admitir, não valem nada). Mas, mesmo que me convencessem da excelência dos serviços prestados pela Agatha à lusofonia, nem assim me convenceriam de que, em nome da música portuguesa, a imposição de quotas em que a música da Agatha se incluísse seria algo legítimo ou, muito menos, digno de louvores. Muito melhor faz à música portuguesa um minuto de emissão do alemão Bach, dos belgas do Hooverphonic, da islandesa Björk ou do americano Chet Baker do que uma semana inteira a ouvir a obra toda, revista e comentada, da Agatha. Porque a música portuguesa, como a música de qualquer canto do mundo, precisa é de mais e de melhor música. É de boa música que a boa música se alimenta. A procedência (se é de cidadão nacional, se é de cidadão estrangeiro residente em Portugal - não se riam porque há dessas minúcias na lei já aprovada pela Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura) não interessa nada, simplesmente não é critério que se aplique.
O que é louvável não é proteger a música portuguesa, é, isso sim, proteger a música em Portugal. «Proteger», aliás, não é o termo mais indicado, porque quem protege, protege de alguma coisa - há, portanto, uma ênfase ao enfrentamento negativo, «contra» um inimigo (real ou imaginário) - e a protecção que há a dar é, acima de tudo, positiva, porque de formação - formação dos músicos e, talvez mais importante do que isso, formação dos públicos. E não é com quotas que na sua falsa e populista generosidade incluem coisas como a música da Agatha, que se forma um público.
PS: Não deixa de ser ridículo o país que quer impor quotas de emissão de música nacional nas rádios quando não consegue sequer fazer cumprir a lei que estabelece a quota de 100 por cento dos passeios públicos para os peões.