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29 de Setembro de 2010 às 12:10

Propriedade intelectual e w.w.w.: o fim de uma era?

No passado 23 de Junho, um tribunal norte-americano deu razão à Google numa acção que lhe fora movida em 2007 pelas Viacom e Paramount Pictures

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No passado 23 de Junho, um tribunal norte-americano deu razão à Google numa acção que lhe fora movida em 2007 pelas Viacom e Paramount Pictures que alegavam ser a Google/Youtube responsável por uma violação maciça de direitos de propriedade intelectual ao permitir, nos meses que antecederam a acção, o upload de 700 mil conteúdos ilícitos correspondentes de obras protegidas. A tese era a da responsabilização da Google/Youtube para efeitos de indemnização pelos prejuízos alegadamente sofridos pelos autores e editores, resultantes do não pagamento de royalties bem como pela redução significativa das vendas em suporte físico ou digital.

A decisão do tribunal de Nova York assentou numa dupla argumentação: os ISP (Internet Service Providers) como a Google/Youtube prestam um serviço que, em si mesmo, não viola quaisquer direitos de terceiros nem se destina a violar esses mesmos direitos. Como tal, está protegido contra eventuais acusações de violação directa ou indirecta de direitos de propriedade intelectual (princípio do safe harbour, nos termos do Digital Millennium Copyright Act); segundo, a Google/Youtube não é obrigada a conhecer os casos concretos e individualizados de violação de direitos protegidos a menos que os mesmos lhe sejam comunicados e devidamente fundamentados pelos titulares dos direitos alegadamente violados.

Ao relembrar ainda que a Google adopta o princípio do reconhecimento activo da protecção dos direitos sobre obras intelectuais o tribunal validou a relevância jurídica da política da Youtube de retirar os conteúdos sempre que infringem direitos protegidos e quando é notificada pelos titulares desses direitos. Esta decisão - um caso em que a Viacom e a Paramount Pictures pediam uma indemnização de mil milhões de dólares - obriga no entanto a repensar o futuro dos direitos de autor.

A importância do mercado, nomeadamente do audiovisual, leva a que a protecção de obras na Web materialize interesses económicos antagónicos que vão aos tribunais buscar legitimação judicial. Não é surpreendente que surjam decisões contraditórias. Em processo com fundamentação muito semelhante à da Viacom, a Mediaset, cadeia de televisão italiana do grupo Berlusconi, conseguiu que um tribunal de Roma condenasse a Google ao pagamento de uma indemnização por direitos de autor não pagos. Não se retire no entanto a conclusão de que existem, dos dois lados do Atlântico, entendimentos opostos corporizados na jurisprudência dos tribunais: Em Fevereiro de 2010, um tribunal espanhol absolveu a Google numa acção intentada por violação de direitos pessoais. A sentença da Audiência Provincial de Madrid entendeu que, para que existisse a obrigação de retirar um conteúdo que reconhecidamente violava um direito pessoal, era necessário notificar a Google não só da violação em concreto mas de qualquer decisão prévia que confirmasse aquela.

Em Portugal, não há ainda decisões judiciais conhecidas sobre este tema. Algumas entidades de gestão colectiva de direitos de direitos de autor têm vindo a encontrar soluções, suportadas pela lei em vigor, que possibilitam em certa medida a desejada protecção dos seus direitos de propriedade intelectual. Mas, mais do que o tradicional subsídio, agora em fase de quarto minguante, os autores e editores portugueses no sector do audiovisual necessitam com urgência de antecipar soluções que lhes permitam sobreviver, mandaria a prudência que apresentasse também propostas para um renovado quadro legal da protecção da propriedade intelectual, que não tem grande coerência devido a um acolhimento crescente de propostas desarticuladas que têm por forte os diversos grupos de pressão. Para os direitos de propriedade intelectual serem protegidos eficazmente há que saber se a lei reflecte a consciência colectiva dos fundamentos da protecção da propriedade intelectual. Se assim é, há que actuar maciçamente contra os infractores que são afinal os utilizadores finais. Se assim não for a protecção legal dos mesmos direitos deve ser profundamente repensada. Esta é afinal a questão que, tendo como pano de fundo a w.w.w. vai dominar o debate legislativo e judicial nos anos vindouros. Até porque se, no fim do dia, não houver uma reconstrução legislativa da protecção das obras intelectuais, os direitos patrimoniais de autor poderão vir a ter uma virtual dimensão.


*Advogado. Sócio da Cuatrecasas, Gonçalves Pereira.



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