Opinião
Princípios e dinheiro
António Luciano de Sousa Franco, sentado numa poltrona do gabinete de trabalho do ministro das Finanças, e em conversa com um jovem director de jornal, lançou às tantas um desabafo: “Sabe, entram por esta porta a defender grandes princípios e acabam todos
António Luciano de Sousa Franco, sentado numa poltrona do gabinete de trabalho do ministro das Finanças, e em conversa com um jovem director de jornal, lançou às tantas um desabafo: "Sabe, entram por esta porta a defender grandes princípios e acabam todos sempre a pedir dinheiro."
Com Alberto João Jardim era diferente. E continua a ser: ele passa por cima dos princípios e vai direito à questão. E a questão é dinheiro. Dinheiro que Sousa Franco lhe deu. A revisão da Lei das Finanças Regionais de 1998 foi, afinal, o mesmo que marcou a história das finanças públicas nacionais da época: um regabofe.
O ministro depois saiu e o homem acabou por falecer numa trágica acção de campanha eleitoral. Os anos passaram e o seu braço-direito de então está hoje sentado naquela mesma sala, a desempenhar as mesmas funções e a enfrentar o mesmo dilema: a defesa das grandes causas, com o peditório do costume.
Na hora de voltar a mexer na Lei das Finanças das Regiões Autónomas, Fernando Teixeira dos Santos vive porém um contexto diferente: não pode hoje dizer que sim a tudo. Tem de fazer opções duras. E, de preferência, justas. E as opções que ele está a tomar nesta matéria nem sequer são duras.
O que, desde logo, levanta a seguinte dúvida metódica: porque carga de água este Grupo de Trabalho "suavizou" o seu modelo? O que terá acontecido aquela equipa de técnicos, naturalmente mais liberta por não estar sujeita ao ónus da decisão, a propor um projecto de uma reforma pífia?
O facto é que algo de inédito está já a acontecer neste caso: é o poder político que está a endurecer o sentido das propostas, é o Governo que quer dar conteúdo à mudança das regras que ditam as relações financeiras entre as Ilhas e o Estado, é o ministro que está a bater-se contra a sobrevivência do "status quo".
Convém lembrar que é um "status quo" invulgar e irrepetível. Nem o município mais pobre e recôndito tem uma situação tão favorável.
Pois são a Madeira e os Açores as únicas regiões do país que retêm integralmente os impostos gerados no seu território. Recebem, além disso, milhões e milhões de transferências do Orçamento do Estado. Recebem um Fundo de Coesão próprio
e reforçado, para compensar os custos da ultraperifericidade. Além de receberem outros apoios dispersos, dos orçamentos de vários Ministérios, para a polícia, para os tribunais, enfim...
Não é tudo. Como a República Portuguesa garantia sempre o pagamento das dívidas regionais, as várias gerações da classe política insular sempre se habituaram a governar (e a perpetuarem-se no poder) gastando tudo o que recebiam e mais o que não tinham. E, de tempos em tempos, lá vinha uma operação de limpeza, em que o Estado assumia o pagamento.
Se a versão técnica da reforma desta Lei era vergonhosamente tímida, os retoques do Ministério das Finanças estão a dar algum sentido ao processo legislativo. São retoques, nada de dramático, mas vão no caminho certo. A imaginação dos drs. Jardim e César passa a ter limites e, antes de começarem a endividar as suas regiões, vão pensar duas vezes porque está a morrer a sua "tia rica" no Terreiro do Paço.
No cálculo dos subsídios directos, dos fundos de coesão e dos impostos a transferir, como o IVA, o critério será mais correcto: o PIB regional, em vez do PIDDAC ou da população.
O que quer dizer que o apoio passa a estar indexado à riqueza gerada e não à despesa realizada.
Não é que Teixeira dos Santos tenha menos princípios que Sousa Franco defendia e financiava. Tem é menos dinheiro. Às vezes é um bom princípio de uma justa reforma. É o caso.