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19 de Setembro de 2008 às 13:00

Postais de Verão

Um dos acontecimentos estivais no mundo empresarial foi a vitória da Mattel sobre a MGA no duelo Barbie vs Bratz. A indemnização foi de 100 milhões de dólares, mas o que torna o caso relevante é o facto de a Mattel ter ignorado durante anos o envelhecimento da sua carismática, mas entradota, boneca.

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Na ressaca pós-Verão, e já em plena normalidade, eis umas breves memórias finais da silly season:

- Um dos acontecimentos estivais no mundo empresarial foi a vitória da Mattel sobre a MGA no duelo Barbie vs Bratz. A indemnização foi de 100 milhões de dólares, mas o que torna o caso relevante é o facto de a Mattel ter ignorado durante anos o envelhecimento da sua carismática, mas entradota, boneca. O caso Barbie vs Bratz já é de manual para ilustrar as causas e consequências da falta de visão periférica no negócio.

- A comitiva olímpica portuguesa regressou de Pequim de forma paradoxal: praticamente de mãos a abanar, mas com a melhor classificação de sempre. Nada de inesperado, caso se pense na falta de estratégia desportiva nacional, um País onde os campeões surgem por feliz acidente genético ou por uma seriedade profissional acima da média como será certamente o caso do par de medalhados. Várias lições merecem ser recordadas: primeiro, teria sido escusado, no defeso do futebol, recorrer às desculpas de mau pagador que atiram as responsabilidades das derrotas para os árbitros; segundo, o líder do COP demitiu-se, mas afinal não se demitiu, o que é revelador; terceiro, os critérios de contagem de medalhas usados pelos americanos permitiram-lhes ficar à frente da China! Cada um ganha como pode, mas, como resposta propagandística à propaganda chinesa propriamente dita, foi frouxo.

- Em oposição à atitude do "fazer o meu melhor" português, a máquina propagandística chinesa arrasou. O "juguo", "sistema desportivo de toda a nação", mostrou o seu poder avassalador. Um treinador de ginástica chinês afirmou que os seus campeões têm até de ser capazes de "comer amargura". A ideia de sofrimento está na raiz etimológica de trabalho, tripalium. Por cá, esta origem é muitas vezes esquecida, por vezes começando na escola, onde o princípio do prazer prevalece sobre o da realidade.

- Em Cuba, Raúl destapa aqui e reprime acolá. Gorki Aguila, líder da banda clandestina Porno para Ricardo foi preso por ter dito a verdade em canções como "Comité Geriátrico Central". Acusação: "perigosidade pré-delectiva", o mesmo processo de Relatório Minoritário (o filme de Spielberg), mas sem o choque tecnológico.

- O prejuízo de 10 mil milhões de euros da GM no primeiro trimestre do ano não apenas representou um Verão amargo para o CEO Rick Wagoner. Mostrou que a supremacia de hoje não garante o domínio amanhã. Nos automóveis para os japoneses, no desporto para a China. O centro do mundo reposiciona-se.

- E voltando à escola portuguesa: o Ministério da Educação anunciou um prémio de 500 euros para os melhores alunos. 100 anos depois de Frederick Taylor, o Homem Económico continua vivinho.

- No domínio da ecologia, também houve novidades. Na Califórnia, o governador Schwarzeneger, ex-exterminador implacável, proibiu o foie gras. Razão: os maus tratos infligidos a patos e gansos. O escritor José Rodrigues dos Santos actualizou o seu último livro face à evolução do petróleo e continua a achar o sistema de três cores de reciclagem muito complicado.

- Ainda por cá, o bom velho Estado português mostrou bem a sua dupla face. Por um lado exibiu os dentes: a ASAE e o Fisco nem no Verão pararam. Depois das bolas de Berlim, dedicaram-se a alvos mais substantivos, como o Mercado do Bom Sucesso, o Manta Beach Club e, obviamente, o contribuinte anónimo, para chegar aos objectivos. Por outro lado, deixou ver o seu lado laxista: 330 mil autos em risco de prescrição impedem cobrança de multas no valor de 28 milhões. Quem não pagou vai safar-se; quem pagou foi enganado.

- Na cultura, Nicolau Breyner defendeu que os responsáveis políticos não entendem a cultura como uma forma de capital. Estão enganados, como Richard Florida vem mostrando. Mas é interessante notar que num país invadido por best sellers iguais entre si há dois livros importantes para pensar a crise no leste da Europa: Da Jugoslávia à Jugoslávia, de Carlos Santos Pereira e O Vírus Balcânico, de Stevan Kiksic e Pedro Caldeira Rodrigues estão esgotados e indisponíveis. A prisão de Karadzic, a morte de Soljenitsine e a invasão da Geórgia convidam ao regresso à história daquela zona do globo. Mas estes livros, nem em alfarrabistas se descobrem. Talvez se encontre algum exemplar perdido durante o Outono, no meio de uma pilha de saldos de códigos-qualquer-coisa.

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