Opinião
Português Suave
Se se inventou a electricidade, se viajou à Lua, se encontrou o bosão de Higgs e a cura para a calvície está iminente, então não se sabe como dominar uma coisa básica como o ciclo económico? Que disparate, claro que se sabe, ou seja, os comentadores televisivos sabem
Ver televisão em Portugal no início do Verão de 2012 é reconfortante. É certo que as notícias sobre a conjuntura são, de um modo geral, algo preocupantes: desemprego maciço, insolvências diárias, greves, cimeiras europeias inconclusivas, ocasionalmente um manifestante irado polindo o "capot" de uma viatura governamental.
Alguns, mais impressionáveis, terão procurado refúgio nas proezas da equipa nacional no Euro 2012, e defrontaram-se com uma trave maldosa que excluiu da peleja as bonitas camisolas invocativas da cruz templária. Não há que desesperar, e não é devido ao Mundial 2014, onde é de crer que a equipa nacional continue a ser conduzida com ambições limitadas a fazer "boa figura" e aparecer nos jogos a eliminar. É devido aos comentários económicos que os canais portugueses oferecem. Salvo honrosas excepções, todos têm a solução para o problema que atravessamos, e oferecem-na barato (o preço da assinatura dos canais por cabo, ou, felicidade suprema, a borla nos canais abertos).
Neófitos como Merkl e Schäuble não percebem nada do assunto, e com a sua ignorância teimam em lançar a Europa, e sobretudo Portugal, nas trevas. São maus. Por pura maldade, não querem abrir a torneira do Banco Central Europeu, quando para o comentador televisivo português é óbvio, entra pelos olhos, que com a torneira aberta se retoma o crescimento, na Europa, em Portugal, na Tasmânia e na Papua Nova Guiné. Desaparece o desemprego, acabam as insolvências, o Bruno Alves acerta na baliza, o "penalty" guardado religiosamente para o CR7 acontece. Tudo com o simples abrir de uma torneira. Qual ciclo económico, qual quê.
Há neste consenso algo de comovente, e de suprema confiança no Homem. Se se inventou a electricidade, se viajou à Lua, se encontrou o bosão de Higgs e a cura para a calvície está iminente, então não se sabe como dominar uma coisa básica como o ciclo económico? Que disparate, claro que se sabe, ou seja, os comentadores televisivos sabem, ou, pelo menos, acham convictamente que sabem.
É certo que não estão totalmente sós, saibam-no ou não.
No seu discurso presidencial ao congresso de 2003, da "American Economic Association", o Prémio Nobel de 1995 e professor em Chicago Robert Lucas afirmou, com pompa e circunstância, que "the central problem of depression-prevention [has] been solved, for all practical purposes". Na mesma linha, o Sr. Mercado, Ben Bernanke, dois anos antes de suceder a Alan Greenspan e se tornar o 14.º presidente do "Federal Reserve", introduziu o conceito da "Grande Moderação" num discurso no congresso da "Eastern Economic Association", em Fevereiro de 2004. O hoje famoso discurso de Bernanke, à época já membro do "Board of Governors" do Fed e em gozo de licença na sua Universidade de Princeton, radicava num conjunto de ensaios empíricos que, com assinalável consistência, documentavam uma redução significativa da volatilidade dos indicadores macroeconómicos americanos, quer do produto quer da inflação. Bernanke, um distinto professor e um dos maiores estudiosos da Grande Depressão, dedicou o seu inspirado discurso à produção de uma explicação para os resultados e, generoso, ofereceu três: aquilo a que chamou "mudança estrutural", melhores políticas macroeconómicas, e pura e simples sorte.
Com "mudança estrutural" Bernanke referia-se a uma superior capacidade da economia (americana ) para absorver choques, por força de instituições melhor desenhadas, avanços tecnológicos e práticas comerciais mais apuradas (sofisticação dos mercados de capitais, evolução para uma economia de serviços, maior abertura das economias). O melhor desempenho das políticas macroeconómicas significava sobretudo melhores políticas monetárias. Bernanke, tal como Friedman, atribui a erros do "Fed" da época responsabilidade pela Grande Depressão, e, já em funções na Autoridade Monetária Americana, registava uma saudável mudança de táctica. Finalmente, modesto como um cientista deve ser, admitia que a "Grande Moderação" pudesse ser, também, fruto do acaso. É relativamente consensual que a Grande Moderação acabou em 2007. Porém, está bem viva nos suaves comentários da televisão portuguesa.
Professor Associado, IBS
Alguns, mais impressionáveis, terão procurado refúgio nas proezas da equipa nacional no Euro 2012, e defrontaram-se com uma trave maldosa que excluiu da peleja as bonitas camisolas invocativas da cruz templária. Não há que desesperar, e não é devido ao Mundial 2014, onde é de crer que a equipa nacional continue a ser conduzida com ambições limitadas a fazer "boa figura" e aparecer nos jogos a eliminar. É devido aos comentários económicos que os canais portugueses oferecem. Salvo honrosas excepções, todos têm a solução para o problema que atravessamos, e oferecem-na barato (o preço da assinatura dos canais por cabo, ou, felicidade suprema, a borla nos canais abertos).
Há neste consenso algo de comovente, e de suprema confiança no Homem. Se se inventou a electricidade, se viajou à Lua, se encontrou o bosão de Higgs e a cura para a calvície está iminente, então não se sabe como dominar uma coisa básica como o ciclo económico? Que disparate, claro que se sabe, ou seja, os comentadores televisivos sabem, ou, pelo menos, acham convictamente que sabem.
É certo que não estão totalmente sós, saibam-no ou não.
No seu discurso presidencial ao congresso de 2003, da "American Economic Association", o Prémio Nobel de 1995 e professor em Chicago Robert Lucas afirmou, com pompa e circunstância, que "the central problem of depression-prevention [has] been solved, for all practical purposes". Na mesma linha, o Sr. Mercado, Ben Bernanke, dois anos antes de suceder a Alan Greenspan e se tornar o 14.º presidente do "Federal Reserve", introduziu o conceito da "Grande Moderação" num discurso no congresso da "Eastern Economic Association", em Fevereiro de 2004. O hoje famoso discurso de Bernanke, à época já membro do "Board of Governors" do Fed e em gozo de licença na sua Universidade de Princeton, radicava num conjunto de ensaios empíricos que, com assinalável consistência, documentavam uma redução significativa da volatilidade dos indicadores macroeconómicos americanos, quer do produto quer da inflação. Bernanke, um distinto professor e um dos maiores estudiosos da Grande Depressão, dedicou o seu inspirado discurso à produção de uma explicação para os resultados e, generoso, ofereceu três: aquilo a que chamou "mudança estrutural", melhores políticas macroeconómicas, e pura e simples sorte.
Com "mudança estrutural" Bernanke referia-se a uma superior capacidade da economia (americana ) para absorver choques, por força de instituições melhor desenhadas, avanços tecnológicos e práticas comerciais mais apuradas (sofisticação dos mercados de capitais, evolução para uma economia de serviços, maior abertura das economias). O melhor desempenho das políticas macroeconómicas significava sobretudo melhores políticas monetárias. Bernanke, tal como Friedman, atribui a erros do "Fed" da época responsabilidade pela Grande Depressão, e, já em funções na Autoridade Monetária Americana, registava uma saudável mudança de táctica. Finalmente, modesto como um cientista deve ser, admitia que a "Grande Moderação" pudesse ser, também, fruto do acaso. É relativamente consensual que a Grande Moderação acabou em 2007. Porém, está bem viva nos suaves comentários da televisão portuguesa.
Professor Associado, IBS
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