Opinião
Portugal no seu pior
A viagem de Freitas do Amaral ao Canadá foi um verdadeiro não acontecimento. Não teve qualquer utilidade, nem sequer para ajudar a esclarecer a questão da emigração neste tempo do global.
Foi um fogacho tão irreflectido quanto as notícias de televisão que, mais uma vez, exploraram emocionalmente o assunto e manipularam a informação.
Uma vez assente a poeira mediática a história é breve, mas não menos desditosa. Muitos emigrantes portugueses resolveram pedir refúgio político ao Canadá, pensando assim poder contornar as regras vigentes e garantir a sua legalização. Como é sabido os portugueses, portadores do gene «Oliveira da Figueira» tão bem retratado nos livros do Tintin, são exímios na esperteza saloia. A operação envolveu alguns advogados e também verdadeiros escroques que a troco de dinheiro meteram a necessária papelada, alegando sabe-se lá que tipo de perseguições atrozes. A volta veio com um carimbo de deportação por evidente improcedência.
Embora Portugal seja um país atrasado e bastante enfadonho, pelo menos desde há trinta anos que não persegue os seus cidadãos por opiniões políticas ou outras. É certo que não lhes dá condições de vida decente e amiúde os trata bastante mal, mas isso deve-se a muita desorganização e pura incompetência. Assim, não deixa de ser estranho que tanto português julgue legítimo pedir refúgio político a outro país. A ignorância não explica tudo. A falta de informação, que é evidente, por parte da embaixada, consulados e organizações da comunidade, também não. Como se percebe nesta questão estamos no terreno do desespero. Os emigrantes fazem tudo para conseguir uma vida melhor. Passar fronteiras a salto, correr riscos, mentir e até renegar as suas origens. O que devia dar muito que pensar a todos os que pretendem conseguir resolver tais assuntos com a velha receita da repressão.
A imigração é um problema no mundo actual. Mas não maior do que sempre foi. Só mudou a velocidade. A humanidade sempre andou de um lado para o outro procurando vida melhor. Sem esse impulso não teríamos descobertas, encontro de culturas, nem saltos civilizacionais, ou seja não teríamos aquilo mesmo a que chamamos civilização. Para mais hoje, que tanto se fala de globalização da economia e da informação, é impraticável pretender impedir a mobilidade das pessoas. Economia, informação e mobilidade são três componentes de um mesmo quadro civilizacional. É, aliás, a própria informação e pressão económica que tornam visíveis, para todos, as assimetrias. A deslocação de enormes massas populacionais para os eldorados só pode ser a sua consequência imediata.
Mas o mais chocante não foi a viagem ministerial sem sentido a terras do Canadá. A lição de moral que Freitas do Amaral levou na bagagem de mão é bastante hipócrita. É que Portugal trata mesmo muito mal os seus imigrantes. Com discriminações de toda a espécie, brutalidade policial constante e absolutamente impune, confinamento em guetos, prisões e deportações totalmente arbitrárias, e acima de tudo um racismo e anti-cosmopolitismo latentes que impedem qualquer integração dos chamados estrangeiros. Basta pensar que, apesar de tanto discurso sobre os nossos irmãos africanos e tanta demagogia barata, não existe um só deputado ou sequer um único vereador de origem africana na nossa democracia.
A imigração, para um país como Portugal, devia ser vista como uma questão vital. Estando a sociedade portuguesa cada vez mais envelhecida e estagnada, só através da imigração se pode conseguir algum dinamismo e desenvolvimento. O país precisa de gente, nova, dinâmica e ambiciosa. Muito erradamente os imigrantes são vistos como mera mão-de-obra barata, para trabalhar nas obras ou servir nos restaurantes. Mas o seu empreendorismo, ainda que ténue, começa a ser visível. Não são só as lojas de chineses, são as pequenas empresas que vão surgindo, as escolas, os jornais, a diversidade cultural.
Portugal que nunca soube tratar da sua emigração, também nunca mostrou visão para tratar dos seus imigrantes. Eis uma realidade que nenhuma lição de moral pode escamotear.