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23 de Julho de 2003 às 11:47

Paulo Ferreira: «Uns sufocantes 0,4%»

O futebol-negócio tem um peso mediático e político que nada tem a ver com o seu contributo social, com a qualidade do espectáculo que produz e com a conduta média dos seus protagonistas.

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Nem tudo está pior no mundo do futebol. Uma das evoluções positivas dos últimos anos é a tentativa de colocar alguma racionalidade e objectividade num sector que vive demasiado de sentimentos e de impulsos. E nem sempre os mais nobres.

O estudo que a Deloitte & Touche ontem divulgou – denominado “Estudo global do futebol português” – é mais um passo nesse caminho. Sem colocar em causa a utilidade e fiabilidade do trabalho, há que avisar que ele foi feito em parceria com a Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

Ou seja, o principal centro de decisão do mundo da bola e, por isso, o principal responsável dos seus defeitos e virtudes, é co-autor do diagnóstico. O documento confirma que falar de futebol, hoje, é falar de duas realidades completamente distintas.

Uma é a do futebol-negócio, concentrado na Super Liga e, aqui, nos quatro maiores clubes. A outra é a do futebol-desporto, que movimenta cerca de 120 mil praticantes em todo o país. Esta distinção é essencial para evitar meter no mesmo saco coisas que não são misturáveis.

E falamos de mundos tão diferentes como isto. Nos campeonatos distritais estão 82% dos clubes, que empregam 54% dos colaboradores do sector mas que gastam com estes apenas 13,2% do total de custos com pessoal.

No outro extremo, na Super Liga, estão 1,5% dos clubes de futebol, que empregam 14% dos trabalhadores, mas estes recebem 60,3% da factura de custos com pessoal do sector.

Interessantes são também as fontes de financiamento de cada um destes mundos. Na Super Liga, 60% das receitas são as consideradas “tradicionais”: 22% com a venda de bilhetes, 21% com os direitos de televisão, 10% são receitas publicitárias e 7% são quotas dos sócios.

Nas 58 escolas de formação de futebol que há no país, a realidade é muito diferente: os atletas/praticantes pagam 49% do total de receitas, o financiamento do poder local pesa 24% e os patrocínios concedidos por empresas e particulares contribuem com 24%.

Estes são os bastidores daquilo que se vê todos os dias. E o que se vê é que as borlas fiscais, as ajudas do Estado para construir estádios, a vassalagem constante de governantes e afins, o débito permanente que o país parece ter em relação ao futebol, têm destinatários e beneficiários errados.

Mas é esta a triste realidade de um país onde o futebol-negócio tem um peso mediático e político que nada tem a ver com o seu contributo social, com a qualidade do espectáculo que produz e muito menos com os exemplos de conduta dados pela média dos seus protagonistas.

Este fosso entre custo e benefício só pode aumentar, com a deferência dos sucessivos governos e a “over dose” provocada por linhas editoriais completamente invertidas.

Diz a Deloitte & Touche que o futebol pesa 0,4% na economia portuguesa. A realidade bem medida é essa, certamente. Mas esses são uns 0,4% tão pesados que podem asfixiar o país.

Por Paulo Ferreira
Director-Adjunto do Jornal de Negócios
Publicado no Jornal de Negócios

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