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24 de Agosto de 2011 às 12:01

Os últimos dias de Kadhafi

O conflito na Líbia está prestes a chegar ao fim. Grande parte da capital líbia está já nas mãos dos rebeldes.

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O conflito na Líbia está prestes a chegar ao fim. Grande parte da capital líbia está já nas mãos dos rebeldes.

A impotência militar das forças leais ao coronel Muammar Kadhafi - visível na última semana - coincidiu com a crescente desordem do regime político. Velhos amigos de Kadhafi foram derrotados - como o vice-ministro do Interior Nasser al-Mabrouk, que fugiu para o Cairo com nove membros da sua família, seguido alguns dias mais tarde pelo chefe do petróleo, Omran Abukraa. Agora alguns filhos de Kadhafi foram levados pelos rebeldes. Como Saddam Hussein em 2003, Kadhafi parece ter-se escondido.

E agora? O que vai acontecer à Líbia pós-Kadhafi? Antes da guerra no Iraque, o antigo secretário de Estado, Colin Powell, alertou George W. Bush: "If you break it, you own it." ("Se invadires, pertence-te"). Bush, no entanto, ignorou os avisos de Powell e não demorou muito até que o mundo assistisse com horror que não existia um plano para governar ou reconstruir o Iraque pós-Saddam. Em vez disso, o país enfrentou uma guerra horrível de todos contra todos que provocou um número incontável de mortes.

Estarão os membros da NATO, que lançaram a intervenção militar na Líbia, melhor preparados para reconstruir a Líbia? Felizmente, neste caso, há um factor que não existia no caso do Iraque - um governo legítimo para assumir a autoridade.

O Conselho Nacional de Transição (National Transitional Council), criado por uma coligação rebelde em Benghazi no passado mês de Fevereiro, é liderado por Mustafa Abdel-Jalil, que abandonou o cargo de ministro da Justiça de Kadhafi a 26 de Fevereiro, após a resposta violenta do regime aos protestos pacíficos. Será Mustafa Abdel-Jalil capaz de exercer autoridade e garantir a segurança dos líbios, e ao mesmo tempo evitar vinganças sangrentas como as que ocorreram após a queda do regime de Saddam?

Como presidente da Associação Amizade Japão-Líbia tentei encontrar a reposta a esta questão. Na noite de 5 de Agosto, visitei Abdel-Jalil em Al Bayda, cerca de 200 quilómetros Benghazi. Cheguei a casa do presidente do NTC muito depois da meia-noite devido ao Ramadão, altura em que os muçulmanos jejuam durante o dia.

Vestido com o traje tradicional líbio, ofereceu-me uma cadeira almofadada vermelha e sentou-se num simples banco de madeira. O seu comportamento modesto contrasta com o de Kadhafi, que se sentava sempre em sofás luxuosos enquanto recebia os seus convidados.

Nascido em 1952, Abdel-Jalil tentou várias vezes, mesmo durante o regime de Kadhafi, estabelecer um Estado de Direito. Chegou a afirmar perante o coronel: "Tomo as minhas decisões com base na lei". Estou a Sharia e Direito Civil na Universidade da Líbia e mais tarde ocupou o cargo de juiz durante muitos anos. Após ter trabalho como director de justiça em Al Bayda, foi nomeado Ministro da Justiça em 2007.

Alguns defendem que por ter estudado a Sharia, Abdel-Jalil deve ser um fundamentalista islâmico. Se assim fosse, todos os juízes dos países islâmicos eram fundamentalistas, porque todos estudam a Sharia e Direito Civil. Mas, actualmente, negoceia com os Fundamentalistas Islâmicos em Benghazi, Al-Bayda, Delna e em outras áreas, que exigem ter uma palavra a dizer na ordem pós-regime devido à contribuição que tiveram para derrubar Kadhafi.

Abdel-Jalil não dá a impressão de querer ser o primeiro líder da era pós Kadhafi. Mas se Abdel-Jalil é um homem de ideais, Mahmoud Jibril, presidente do conselho de administração do NTC, é um homem de acção. Nascido em Benghazi em 1952, obteve o mestrado e o doutoramento na Universidade de Pittsburgh, após tirar a licenciatura na Universidade do Cairo. Foi consultor empresarial nos países árabes e, por uma vez, esteve envolvido na gestão de activos da Sheikha Mozah, a esposa, politicamente active, do Emir do Qatar. No regime de Kadhafi, dirigiu o Conselho Nacional e o Conselho de Desenvolvimento Económico Nacional.

O governo provisório do NTC sofreu um duro golpe com o assassínio do comandante militar rebelde, o General Abdul Fatah Younis. As circunstâncias em torno da sua morte continuam por esclarecer mas o seu desaparecimento provocou uma remodelação governamental, e levou à expulsão do ministro do petróleo Ali Tarhouni e do ministro dos Negócios Estrangeiros Ali al-Issawi.

A expulsão de Al-Issawi poderá ter estado ligada a relatórios que indicavam que este tinha dados instruções para que Younis fosse preso, dias antes do seu assassinato. Com a morte de Younis temeu-se o início de uma guerra tribal, já que Younis fazia parte da ponderosa tribo Obaida, que vive perto de Benghazi. O governo provisório, ao evitar uma violenta luta tribal, mostrou que pode ser capaz de controlar o tipo de animosidade que aconteceu no Iraque. Manter a cooperação entre as tribos dominantes de cada região vai ser essencial para construir uma Líbia pós-Kadhafi estável.

Apesar do NTC não estar totalmente unida, Abdel-Jalil e Jibril estão a trabalhar para fortalecer a organização e obter o apoio internacional. Além do NTC, também o filho do rei Idris e o filho de Omar Mukhtar, o herói que liderou o movimento de resistência contra a Itália, poderão tentar participar no processo de transição. Mas nenhum deles parece ser capaz de sublimar a vontade do povo para eleger, democraticamente, o futuro líder líbio.

Há 42 anos, Kadhafi expulsou do poder o rei Idris. Até ao avanço dos rebeldes para Tripoli, Kadhafi parecia disposto a decretar uma espécie de Götterdämmerung (tradução alemã do termo em nórdico antigo Ragnarök, que, na mitologia nórdica, se refere à guerra profetizada dos deuses e que resulta no fim do mundo), enquanto o seu regime desaparecia em chamas. Isso já não parece provável e o NTC precisa de começar a governar, verdadeiramente, o país. Os testes que já enfrentou até agora colocam-no numa boa posição para liderar uma transição democrática bem sucedida.



Yuriko Koike, antiga ministra da Defesa do Japão e Conselheira Nacional de Segurança, é presidente do Conselho Executivo do Partido Democrático Liberal.



© Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
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