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Os ínvios caminhos "socialistas"

Que tem resultado da acção "reformadora" deste Governo? Uma série infindável de decisões brutais, que conduziram ao regresso do flagelo da emigração e do consequente despovoamento de numerosas zonas do território nacional. Não é reformar; é deformar.

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O desemprego atingiu níveis assustadores, os impostos directos e indirectos penalizam os mais desfavorecidos. O sistema de saúde está a ser dizimado através da política de um ministro, Correia de Campos, que, entre outras sinistras qualificações, vai figurar como o liquidador da Casa da Imprensa (uma das mais nobres instituições mutualistas da Europa), e de ter atirado para o desespero velhos jornalistas sem meios nem apoio, e para a miséria viúvas de profissionais do jornalismo. Este senhor é, aliás, responsável por decisões antisociais de que não há memória, mesmo nas épocas mais turvas da história portuguesa.

Por outro lado, a ofensiva contra a liberdade de informação não se queda nas maviosas frases do sr. dr. Augusto Santos Silva. Vai mais além, e procede de um astucioso propósito de totalização do poder. Não há nada de precipitado nesta afirmação. Os factos e os episódios demonstram que as atitudes políticas deste Governo comportam algo de absolutismo, apesar da sustentação apressurada de alguns turiferários – cada vez em menor número.

A prática deste Governo põe em causa a própria ideia de socialismo, tal como deve ser entendida e interpretada. Os apóstolos do neocapitalismo globalizado e a Direita pura e dura manifestam grande regozijo em terem como adversário esta "Esquerda" que se limita a copiá-los e aos seus desideratos, adoptando modelos sociais tão repelentes quanto absurdos. A incomodidade já demonstrada entre militantes socialistas leva-nos a considerar que as coisas não vão bem no PS. A clique dirigente (porque de clique ser trata), assenhoreada do poder, tem-se conduzido através de uma camuflagem ideológica enganosa, mas já não consegue disfarçar as verdadeiras intenções e os ínvios caminhos por que persegue objectivos inquietantes.

A circunstância de Sócrates ter obtido maioria absoluta não pode amparar esta ofensiva tenebrosa, que está a dar cabo não só do tecido produtivo como das particulares idiossincrasias dos portugueses. As doenças do foro psiquiátrico aumentaram, os divórcios cresceram de número, as famílias estão a ser dizimadas, são milhares os licenciados sem colocação, sem destino e sem futuro. Setenta mil desempregados vão para Espanha fazer o que é preciso para a sobrevivência mais rudimentar. A insegurança aumenta nas ruas, a violência intensifica-se nos assaltos à mão armada, resultados da exclusão social e da inexistência de uma doutrina de integração e de amparo humanístico. Destes fenómenos se alimenta a extrema-direita. A extrema-direita sabe que recruta simpatizantes e militantes muito activos entre os indivíduos despossuídos, no meio daqueles que reinventaram a totalidade do seu mundo no vazio sem fundo para onde foram atirados.

Não. Sócrates e o seu Executivo não servem. Tal como o fez António Guterres, seu prócere e amigo, arruinou as esperanças nele depositadas. A mentira tornou-se num procedimento particularmente requintado, a ética republicana foi atirada às urtigas e a moral individual espezinhada em nome da maximização dos benefícios do capital. Há qualquer coisa de repugnante neste contínuo governamental. E de extraordinário na capitulação de pessoas que vieram de honradas lutas e de nobres convicções. Não gosto do que vejo. Sinto-me indignado com o estado em que o País se encontra. E não gosto nada de ter de escrever o que escrevo.

A "inaudita barbárie humana" a que havíamos chegado criou, em muitíssima gente, a ideia de que o Partido Socialista poderia dar-lhe uma volta pela Esquerda. Não se desejava a homogeneidade de uma prática que sugerisse outra espécie de totalitarismo. Talvez tudo isto não passasse de utopia, num mundo em que a finança (não a economia, a finança) ia dominando, até, as próprias consciências. Ora, a verdade é que uma vez ainda, uma e outra vez, o PS no Governo traiu as expectativas e liquidou as nossas modestas ambições.

Esperávamos uma convivência e uma integração pacífica dos outros connosco e de nós com todos. Em condições de estigmatização, discriminação, exploração e marginalização de milhares e milhares de homens e mulheres, portugueses e estrangeiros, brancos, pretos, amarelos e castanhos, embalámos a ideia de que este Governo (como, antes, o de Guterres) conduziria Portugal para um relativo bem-estar económico, social e cultural. Os malefícios estão à vista. Guterres fugiu, espavorido, e escancarou as portas a uma Direita que se empenhou em leviandades e em criancices. O brinquedo chamava-se Portugal. Sampaio tem largas responsabilidades neste hiato. Sócrates promete e não cumpre, falta à palavra dada e enfia-se num mutismo arrogante, como se todos nós fôssemos matóides desprezíveis.

Gerindo este capitalismo de uma forma inábil, porém dura e ríspida (por isso vai pagar caro, e nós também), e afirmando-se e reafirmando-se "adepto da sociedade aberta", entendeu que a melhor solução era soltar a correia e deixar o "mercado" à solta. O engano, em política, paga impostos elevadíssimos. E o próprio Papa João Paulo II, em encíclica, advertiu que "há algo melhor do que o capitalismo", e que a resposta deve ser encontrada "na própria humanidade do divino e no divino que contém toda a humanidade".

Não sinto rebuço nenhum em reconhecer que a minha geração foi derrotada. E traída. O que não implica que estejamos obrigados a submeter-nos a tudo quando os vencedores do momento nos queiram impingir. A omnipotência deste Governo não é eterna. Acaso não conseguirá uma segunda vitória. O drama é que a alternativa será, certamente, pior.

Que fazer?

APOSTILA 1 – O caso do professor Fernando Charrua, objecto de processo disciplinar, por ter motejado José Sócrates, brada aos céus socialistas! Assim como irrita qualquer pessoa de bem o silêncio do próprio Sócrates e do Chefe de Estado. Coniventes com a sanção? Não há outro modo de qualificar comportamentos desta índole.

APOSTILA 2 – E que tal o extraordinário caso da Delphi, que deixou o ministro Pinho encalacrado, devido ao facto de o secretário de Estado ter corrigido as suas lacunas informativas? O ministro é useiro e vezeiro no dislate, coitado!

APOSTILA 3 – Um amável leitor, que subscreve Matosinhos, corrige, com extrema amabilidade, um erro por mim cometido na última crónica. Escrevi: Cláudia Cardinal. Devia ter escrito: Claudia Cardinale. Matosinhos, atento, rectifica. Eu, claro!, agradeço.

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